Tese
A poética de Dona Caçula: autoria feminina e universo temático do Romanceiro Sergipano
Registro en:
TRINDADE, Antonio Marcos dos Santos. A poética de Dona Caçula: autoria feminina e universo temático
do Romanceiro Sergipano. 2021. 477 f. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2021.
Autor
Trindade, Antonio Marcos dos Santos
Institución
Resumen
In this study, I propose to defend the thesis that the Romanceiro Sergipano (the book O Folclore
em Sergipe), collection of traditional ballads collected by Jackson da Silva Lima and published
by him in 1977, constitutes a great mestizo rhapsody, sung mainly by women. My hypothesis
is, then, that the female universe, both in the authorship of the collection and its thematic field,
is what structurally characterizes this award-winning collection of Ibero-Brazilian popular
poetry. Through literary analysis (aesthetic) – that is: through the study of the literary plan of
the transcriptions of the chants, as well as the presentation of some photographs and the
analysis, among them, of one that presents a performance, considered by me as the real “form”
of the genre –, I intend to show that the interpreters of the poems, among which are
predominantly black and “brown”, although also white and “pardo” (brown), all coming from
the most varied social classes, forming an arc that goes from beggar, prostitute and rural
workers to public employees, far from being just passive carriers and transmitters of the
tradition, they are rather truly authors of the poems they sing, leaving their stylistic, sexual and
cultural marks in the ways in which they reconfigure thematic sequences, characterize the
characters and guide the narratives to the outcome, constituting these steps what I am
symbolically calling “The poetics of D. Caçula”, name of the interpreter who sang the gratest
number of poems to collect. So, from this collection, I formed a poem corpus consisting of 51
versions of 10 ballads, 5 from the Iberian tradition plus 5 from the national tradition. They are:
Juliana, O Conde da Alemanha, Leonora, Iria a Fidalga and A Moreninha (Iberian tradition),
O Caso de João Alves Flor; Aninha; José e Maria; João e Maria and Marido Infeliz (national
tradition). My approach, therefore, is not the historical-philological one, common in balladistic
studies, concerned with finding the sources of the European literary archetypes of these popular
chants. This type of approach leads to see the Brazilian versions of the ballads as “mistake”, in
the sense of distancing themselves from their Iberian models. The approach I have in mind is
the literary (poetic), which, considering the differences in the versions of those who sing them
as copyright marks, “creative wander”, seeks to value them in the analysis of the thematic
content, style and compositional structure of the texts, in order to understand them in their deep
relations with Brazilian culture and literature and with authors, their interpreters. Thus, relying
on several authors, including R. Menéndez Pidal, Ria Lemaire, Alvanita Almeida Santos, Paul
Zumthor, amog others, I intend to defend the hypothesis that the traditional ballad with a
“novelesque” theme is inextricably related to the female universe, in this way revolving, as a
result, around conflicts referent to family issues – marriage, betrayals, frustrated loves etc. –,
playing an ambiguous formative (playful and paidetic) role, in the identity constitution of the
woman who sings it. Proponho, neste estudo, defender a tese de que o Romanceiro Sergipano (o livro O Folclore em
Sergipe), recolha de romances tradicionais coligidos por Jackson da Silva Lima e por ele
publicados em 1977, constitui uma grande rapsódia mestiça, cantada sobretudo por mulheres.
Minha hipótese é, pois, de que o universo feminino, tanto na autoria da coletânea quanto em
seu campo temático, é o que caracteriza estruturalmente essa coleta premiada de poesia popular
ibero-brasileira. Através da análise literária (estética) – isto é: através do estudo do plano
literário das transcrições dos cantos, bem como da apresentação de algumas fotografias e da
análise, dentre elas, de uma que apresenta uma performance, considerada por mim como a
“forma” real do gênero –, pretendo mostrar que as intérpretes dos poemas, entre as quais se
encontram predominantemente negras e “morenas”, embora também brancas e “pardas”, todas
provenientes das mais variadas classes sociais, perfazendo um arco que vai de mendiga,
prostituta e roceiras a funcionárias públicas, longe de serem apenas portadoras e transmissoras
passivas da tradição, são antes verdadeiramente autoras dos poemas que cantam, deixando suas
marcas estilísticas, sexuais e culturais nos modos pelos quais elas reconfiguram as sequências
temáticas, caracterizam as personagens e conduzem as narrativas para o desfecho, constituindo
esses passos o que estou chamando simbolicamente de “A poética de D. Caçula”, nome da
intérprete que cantou o maior número de poemas para recolha. Para tanto, a partir dessa
coletânea, formei um corpus poemático constituído por 51 versões de 10 romances, 5 da
tradição ibérica mais 5 da tradição nacional. São eles: Juliana, O Conde da Alemanha, Leonora,
Iria a Fidalga e A Moreninha (tradição ibérica), O Caso de João Alves Flor; Aninha; José e
Maria; João e Maria e Marido Infeliz (tradição nacional). Minha abordagem, portanto, não é a
histórico-filológica, comum nos estudos romancísticos, preocupada em encontrar as fontes dos
arquétipos literários europeus desses cantos populares. Esse tipo de abordagem leva a ver as
versões brasileiras dos romances como “erros”, no sentido de se distanciarem de seus modelos
ibéricos. A abordagem que tenho em mira é a literária (poética), a qual, considerando as
diferenças nas versões de quem os canta como marcas autorais, “errâncias criativas”, procura
valorizá-las nas análises do conteúdo temático, do estilo e da estrutura composicional dos
textos, a fim de compreendê-los em suas profundas relações com a cultura e a literatura
brasileiras e com as autoras, suas intérpretes. Assim, apoiando-me em vários/as autores/as, entre
os/as quais R. Menéndez Pidal, Ria Lemaire, Alvanita Almeida Santos, Paul Zumthor, entre
outros/as, pretendo defender a hipótese de que o romance tradicional de temática “novelesca”
está relacionado indissociavelmente ao universo feminino, girando, desse modo, sempre em
torno de conflitos referentes a questões de família – casamento, traições, amores frustrados etc.
–, desempenhando um papel formativo (lúdico e paidético) ambíguo, na constituição identitária
da mulher que o canta. São Cristóvão