dc.creatorMoreira, Inês Cardoso Martins
dc.date2011-04-15
dc.date.accessioned2023-09-28T22:17:05Z
dc.date.available2023-09-28T22:17:05Z
dc.identifierhttps://seer.ufu.br/index.php/ouvirouver/article/view/12344
dc.identifier.urihttps://repositorioslatinoamericanos.uchile.cl/handle/2250/9069398
dc.descriptionAs duas peças de Gertrude Stein escolhidas para publicação em OuvirOUver fazem parte de um conjunto mais amplo de traduções de textos steinianos, exercício ao qual venho me dedicando desde o início de minhas pesquisas voltadas para a sua obra dramatúrgica e que resultaram em tese de doutorado defendida em 2007 e em recente pesquisa de pós-doutoramento financiada pela FAPERJ e finalizada em 2010. A escolha destes dois textos está intimamente relacionada às minhas investigações mais recentes quanto ao estatuto do personagem na cena moderna e contemporânea e quanto às reflexões de Stein sobre identidade e personagem, expostas com agudeza peculiar nos dois exemplos dramatúrgicos selecionados. "Qualquer coisa é uma história de detetive se puder ser descoberta e pode qualquer coisa ser descoberta.//Sim". : é o que diz Stein em seu livro The geographical history of America, de 1936. E tanto "Uma peça" quanto "Três irmãs que não são irmãs" são, de certo modo, histórias de detetive. Em "Três irmãs", trata-se de "descobrir" as identidades dos personagens. Identidades que, no entanto, não se fixam, de modo que o esforço detetivesco não pode, de fato, se concluir. Na peça, escrita em 1943, há uma desconstrução e um desmonte contínuos destas identidades. Uma problematização que se apresenta desde o título da peça, no qual a relação de parentesco entre as personagens é afirmada para ser, logo em seguida, negada. Há uma primeira parte, na qual os caracteres se apresentam, e há um empenho de definição de identidades, processo desconstruído em seguida, quando se instaura um "jogo de assassinato", e todos passam a cumprir papéis de vítimas, assassinos, detetives, testemunhas. Um jogo identitário que não se acha totalmente definido ou identificado com este ou aquele personagem, uma vez que, até o final, não se sabe, nem mesmo o próprio assassino, quem mata e quem é a vítima. Além de assumirem as funções actanciais características das histórias policiais, há outro desdobramento de papeis que se dá por meio de disfarces: Samuel surge, na primeira cena do ato 2, "vestido como um policial" para, em seguida, revelar ser ele o assassino, mesmo estando, nesse momento, diante de Jenny, a assassina confessa. O policial, que supostamente deveria exercer função investigativa, apresenta-se como uma figura ameaçadora a ponto de inspirar a imediata confissão por parte de Jenny de crimes que ela nem mesmo sabe se cometeu. A revelação de Samuel, vestido de policial, de que ele é o assassino, propõe uma inversão ou uma confusão de funções: o policial é o assassino, e não aquele que irá descobrir o assassino. O que ironicamente, no entanto, facilita extraordinariamente o trabalho do policial, pois sua função já estaria cumprida de saída. Quem ele busca é ele mesmo, nesse caso. O mesmo Samuel introduziria outra camuflagem no início do ato 3, surgindo agora como um apache, novo disfarce com o qual pretendia cometer mais alguns assassinatos. Os personagens já mortos, no entanto, ressurgem nesse momento, como vozes em off, acusando não a ele, mas a Jenny de ser a assassina. E ela, que seria a provável vítima de Samuel, identifica-se com o papel de assassina e o assume, disposta a matá-lo, o que acaba fazendo sem querer, para, em seguida, matar-se, já que não teria sentido "viver sozinha sem ninguém para matar." No âmbito do jogo de assassinato estabelecido pelos personagens, Jenny e Samuel apresentam facetas variadas conforme vão assumindo diferentes papéis. Samuel é um policial, mas também um assassino, e depois um apache, que é também assassino, e, ao final, acumularia as funções de vítima e detetive (já que, assassinado por Jenny, ainda tem tempo de verificar e lamentar o fato de ser ela afinal a assassina e não ele). Jenny passa de vítima potencial a assassina confessa, e novamente a vítima potencial, para, em seguida, voltar a ser vista como assassina (apontada pelos próprios mortos acionados como testemunhas dos próprios assassinatos), e finalmente assumir o papel de suicida. Há, portanto, uma espécie de dança de papéis: as funções de assassino, vítima e detetive transitando, ao longo do jogo, entre as figuras de Samuel e Jenny. Stein parece estar parodiando, assim, as histórias policiais clássicas, nas quais os papeis de vitima e assassino, se mais fixos, costumam, no entanto, vestir diferentes personagens ao longo das tramas, conforme as variações de indícios e dos relatos das diversas testemunhas. Para além do comentário paródico, porém, e é importante lembrar o quanto a escritora apreciava esse gênero literário, interessa observar o uso da ideia de "jogo" nessa peça. É a instauração do jogo que permite a dança de papeis entre os personagens e que comporta também as súbitas transformações do espaço (na cena 2, uma sala decorada com sofá e cadeira; na cena 1 do ato 2, vê-se surgir inesperadamente neste mesmo ambiente, uma cama). É o jogo que autoriza os igualmente súbitos aparecimentos e desaparecimentos de corpos mortos; e que permite ainda que as vozes dos mortos sejam ouvidas em cena e que funcionem, em dado momento, como testemunhas inesperadas dos crimes. O termo "jogo" não à toa foi escolhido por mim para traduzir o substantivo "play", que em inglês significa tanto "jogo", "brincadeira", quanto "peça". Nesse sentido, quando os personagens têm a ideia de "jogar um jogo" (em inglês "play a play"), eles também estão se propondo a "fazer uma peça". Uma peça, segundo Stein, pode ser compreendida, então, como um jogo onde as peças, as regras, os elementos não se fixam, estão em constante movimento, como um jogo que está sempre em processo. Daí as irmãs serem "não irmãs", os assassinos serem vítimas, os policiais serem assassinos e tudo isso ser posto em dúvida ao final de tudo, quando a confusão causada pelo jogo/peça faz com que os personagens já não saibam mais se representaram aquilo, se estavam vivos ou mortos ou mesmo se eram ou não irmãs. Quanto ao segundo texto selecionado por mim para publicação aqui, "Uma peça", trata-se, na verdade, de um trecho do livro The geographical history of America or The relation of human nature to the human mind já citado acima. Nessa obra, escrita em 1936, Stein opta por mesclar constantemente os gêneros literários. O livro começa dividido em capítulos, que não seguem ordem cronológica, depois passa a ser dividido em partes e, em seguida, Stein insere nele trechos de peças, de histórias de detetive, de autobiografias e assim por diante. Em determinado momento, a autora explicita o jogo que vem fazendo com os gêneros textuais e diz que o "livro inteiro agora será uma história de detetives sobre como escrever." O jogo de detetive que pode ser identificado em "Três irmãs que não são irmãs" volta a aparecer, então, nesta obra e nesta pequena peça que faz parte do livro em que Stein diz estar investigando o "como escrever". Diferente do que acontece em "Três irmãs", no entanto, em "Uma peça" não há qualquer traço identificável de linearidade na narrativa, nem há personagens que decidem instaurar qualquer tipo de jogo. O jogo está posto a partir do momento em que se trata de uma peça, se pensarmos em peça como sinônimo de jogo, tanto na língua inglesa quanto nas reflexões de Stein sobre o que é uma peça de teatro . E nesta peça-jogo, a questão não é tampouco a busca detetivesca para descobrir quem matou quem ou quem será o próximo a ser assassinado. Aqui os personagens (homem, mulher, cachorro, exército) já estão mortos desde o início. A investigação se volta para descobrir se a peça continua quando os personagens estão mortos. Ou ainda para descobrir se a peça continua se o cachorro não está morto; ou se o homem está morto caso o cachorro não esteja morto e a peça não continue; ou se a peça continua se ela não continua. De todo modo, trata-se aí também de "matar" o personagem. Trata-se de investigar de que maneira é possível "continuar" se o personagem já não existe: "se a mulher está morta e o cachorro está morto e o homem está morto a peça continua." O apagamento de identidades mencionado por Stein em sua palestra "What are master pieces and why are there so few of them" , necessário para que haja qualquer tipo de criação, é retomado por ela nestes dois exemplos dramatúrgicos através de uma necessidade de dissolução quase que absoluta da personagem teatral, seja por meio do assassinato, em "Três irmãs que não são irmãs", lembrando que, ao final do jogo, todos estão de fato mortos, seja, em "Uma peça", colocando de antemão em cena personagens já mortos.pt-BR
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dc.languagepor
dc.publisherUniversidade Federal de Uberlandiapt-BR
dc.relationhttps://seer.ufu.br/index.php/ouvirouver/article/view/12344/7166
dc.sourceouvirOUver; v. 6 n. 2 (2010): Dossiê Artes Contemporâneaspt-BR
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dc.titleO jogo steiniano de detetivept-BR
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