Periodical
RADIS: Comunicação e Saúde, número 192, setembro
Fecha
2018Registro en:
RADIS: Comunicação e Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ENSP, n. 192, None 2018. 36 p. Mensal.
Autor
Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca
Institución
Resumen
No ano em que se comemora os 30 anos do SUS, instituído pela Constituição de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica de 1990, cerca de 8 mil pesquisadores, estudantes, profissionais e integrantes de movimentos sociais que atuam na saúde se reuniram na sede da Fiocruz, no Rio de Janeiro, em julho, para o 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, o Abrascão, organizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).Entre muitos convidados internacionais, a chefe de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, pontuou que as desigualdades em saúde na região das Américas pode ser medida pela falta de assistência às mulheres antes, durante e depois do parto e pela dificuldade de acesso e falta de qualidade nos serviços de saúde para segmentos vulneráveis como idosos, crianças, mulheres, afrodescendentes, pessoas vivendo com HIV/aids e as populações rurais e indígenas. Os desafios para os sistemas de saúde somam-se, segundo ela, ao enfrentamento dos fatores de determinação socioeconômica da saúde, como a eliminação da pobreza e o acesso à água limpa, energia não contaminante, alimentação suficiente e moradia digna.
“A injustiça social mata em larga escala”, sintetizou Michael Marmot, pesquisador do Departamento de Epidemiologia e Saúde da University College London, citando relatório da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde da Organização Mundial da Saúde.
“Se queremos melhorar o funcionamento do sistema de saúde de nossos países para garantir direitos, devemos começar por entender aquilo que somos, como resultado de processos sociais, culturais e políticos”, disse Bachelet, ao explicar que as desigualdades de gênero, de níveis de escolaridade, regionais, de idade e pertencimento étnico impactam sobre os indicadores de saúde. “Os que são deixados de lado são aqueles que não possuem as melhores ferramentas para competir, aqueles que não são rentáveis para o modelo neoliberal, como as mulheres e os idosos”, afirmou a representante da ONU.
Para o sociólogo Jessé Souza, da Universidade Federal do ABC, “o chamado capitalismo financeiro expropria a população de direitos básicos”. Ele citou o relatório “A ineficiência da desigualdade”, da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), da ONU, para argumentar que, ao reduzir capacidades e oportunidades, as desigualdades excluem classes inteiras do acesso à escola, ao conhecimento e ao mercado de trabalho, gerando perdas para os indivíduos e a sociedade. Segundo Deisy Ventura, professora de Ética e Direito Internacional da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, as promessas da globalização econômica não foram cumpridas: “vivemos num mundo interconectado, mas radicalmente desigual, inseguro e doente”. Ela propôs resgatar a noção de direitos no âmbito da saúde global e criticou as estratégias de grandes investidores internacionais que encaram a saúde global como uma oportunidade de fazer negócios, fenômeno que vem se reproduzindo no Brasil.
Ex-ministro da Saúde, o sanitarista José Gomes Temporão lembrou que o movimento da Reforma Sanitária, nos anos 1970 e 1980, defendia a democracia, a melhoria das condições de vida da população e um sistema de saúde universal. “A Reforma defendia um sistema democrático, descentralizado e universal, visando reduzir as desigualdades; combatia a privatização, propondo a redução gradual da oferta privada de serviços e o fortalecimento da oferta pública.”
O SUS teve muitos avanços, mas foi sempre subfinanciado, situação dramaticamente acentuada com as políticas de austeridade fiscal, e não reverteu o crescimento do setor privado e dos planos e seguros de saúde. Segundo o sanitarista Gastão Wagner, presidente da Abrasco no momento do congresso, o SUS não superou também as marcas da desigualdade no Brasil. “Temos uma democracia profundamente desigual, do ponto de vista da distribuição do poder, em relação a gênero, etnias, classes sociais e regiões brasileiras”, analisou, ao conclamar todas as forças da saúde a “reconhecer os problemas do SUS, defender seus avanços, ter propostas concretas para aperfeiçoá-lo e fortalecer o direito à voz e à participação de populações marginalizadas”.Com a palavra, nesta edição, pessoas que pesquisam, conhecem de perto e, principalmente, experimentam o racismo, a discriminação de gênero e as mais diversas formas da brutal desigualdade no Brasil.