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O mez da grippe, de Valêncio Xavier: um estudo viral da narrativa-kinema
Autor
Casagranda, Kristel Hemmer
Institución
Resumen
A conjunção de evento epidemiológico, ficções da peste e movimento coletivo convergem para que as barreiras entre a dicotomia realidade e ficção se tornem mais voláteis. Em meio a pandemia do coronavírus, a editora Arte e Letra apostou no relançamento da obra literária curitibana O Mez da Grippe, de Valêncio Xavier, publicada pela primeira vez em 1981. Sem um narrador ou uma narrativa formal, o livro, de caráter experimental, é conduzido por meio de colagens diversas (como recortes de jornal, relatórios governamentais, fotografias, anúncios, depoimentos ficcionais) que constroem a história da gripe espanhola e a ansiedade com sua aproximação em Curitiba, intensificada pelo contexto bélico da Primeira Guerra Mundial. O emprego do narrador-montador aproxima a obra do cinema, em especial da montagem cinematográfica, permitindo uma análise pela confluência entre campos. A partir de uma revisão bibliográfica, o presente trabalho investigou O Mez da Grippe para desvendar como os discursos políticos se configuram através da sua construção de enredo fragmentada e discutir o funcionamento dessa “narrativa-kinema” (COLLIN, 2020) na composição de um contexto histórico, político e econômico da gripe espanhola. Em seguida, com os mecanismos do fazer literário de Xavier em mãos, foi possível desvendar mecanismos de atuação das metáforas da doença, além de avaliar idiossincrasias, examinando, em um cenário epidêmico de 1918, medidas públicas adotadas para prevenção do contágio, produtos vendidos como curas milagrosas e o crescimento da xenofobia na cidade. Salienta-se que ao tensionar, ficcionalizar, justapor os fatos históricos pelos fragmentos, Valêncio Xavier minimiza a dicotomia fato versus ficção uma vez que acentua o caráter textual/discursivo de ambos. Destarte, conclui-se que, através da sua construção de enredo labiríntica e fragmentada, Xavier conseguiu reportar o leitor ao ambiente da época com um relato de epidemia tão ficcional quanto fidedigno, mas acima de tudo um relato discursivo crítico tanto da época a qual reporta, quanto de qualquer cenário epidêmico, incluindo o que vivenciamos.