Tese (Doutorado)
Efeito paradoxal da bradicinina na endotoxemia: do clássico efeito vasodilatador ao inesperado efeito vasoconstritor por heterodimerização dos receptores AT1 da angiotensina II e B2 da bradicinina
Autor
Amarantes, Elaine Leocádia Anton
Institución
Resumen
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Biológicas, Programa de Pós-Graduação em Farmacologia, Florianópolis, 2019. O sistema calicreína-cininas (SCC) é constituído por substâncias bioativas, tendo a bradicinina como componente principal. A bradicinina, após ativar seus receptores B1 e B2, apresenta uma variedade de efeitos biológicos, incluindo o seu clássico efeito vasodilatador. Na sepse e endotoxemia ocorre uma intensa ativação da via plasmática do SCC, levando a uma produção aumentada de bradicinina. No entanto, a compreensão do envolvimento e da importância da bradicinina nestas condições permanece pouco conhecida. O sistema renina angiotensina (SRA) classicamente é descrito como um regulador da pressão arterial e da homeostase de eletrólitos e, tem como principal efetor, a angiotensina II, que através da ativação do receptor AT1 promove efeito de vasoconstrição. A ativação do SRA e liberação da angiotensina II durante a endotoxemia é bem estabelecida em resposta à produção aumentada de óxido nítrico e à perda da resistência vascular periférica. Os SCC e SRA com suas funções contra-regulatórias funcionam em equilíbrio promovendo uma homeostase cardiovascular. Estes sistemas apresentam múltiplos níveis de interação, incluindo a formação de heterodímeros entre os receptores B2 e AT1, inclusive em condições patológicas. Tendo em vista que já foi demonstrado que a bradicinina pode induzir vasoconstrição em vasos selecionados ou, em condições experimentais específicas, o presente estudo investigou se estímulos inflamatórios, como o desafio com endotoxinas, podem induzir a dimerização dos receptores AT1/B2, alterando os efeitos vasculares da bradicinina. Para isso, foram utilizados ratos fêmeas e machos Wistar que receberam uma dose baixa de lipopolissacarídeo (LPS, 1 mg/kg, i.p.) ou salina estéril (PBS, 1mL/kg, i.p.; grupo controle), e que foram anestesiados para avaliação da pressão arterial e dos efeitos cardiovasculares da bradicinina e da acetilcolina administradas pela via intravenosa, sendo avaliados em 6, 24, 48 ou 72 horas após a administração de LPS ou PBS. Tanto a pressão arterial média basal, frequência cardíaca basal, quanto os efeitos hipotensivos induzidos pela bradicinina e acetilcolina permaneceram inalterados nos grupos LPS, em comparação com o grupo controle. No entanto, nos tempos de 24 e 48 horas após o desafio com o LPS, a hipotensão induzida pela bradicinina foi acompanhada por um aumento sustentado da pressão arterial, que não foi encontrado em animais não endotoxêmicos. A partir destes resultados preliminares, passou-se a utilizar apenas o grupo LPS 24 h, o qual apresentou evidências hematológicas e bioquímicas de inflamação sistêmica. No grupo LPS 24 h, o antagonista do receptor B2 Hoe-140 bloqueou totalmente as respostas vasculares à bradicinina, mas não o antagonista do receptor B1 des-Arg9 -[Leu8]-bradicinina, mesmo quando administrado pela via intra-arterial, onde o efeito pressor da bradicinina foi potencializado. O efeito pressórico da bradicinina não foi prevenido pela prazosina, um antagonista dos receptores alfa-1 adrenérgicos, bem como pela indometacina, um inibidor de ciclooxigenases, mas foi inibida pelo antagonista do receptor AT1, losartana, ou pelo inibidor da Rho-A/Rho cinase, Y27632. A administração de doses submáximas de Hoe-140 e losartana foi incapaz de impedir o efeito pressor da bradicinina, quando administradas isoladamente. No entanto, quando os dois antagonistas foram associados em um mesmo animal desafiado com LPS, o efeito hipertensivo da bradicinina foi abolido. Os animais endotoxêmicos também tiveram respostas pressoras aumentadas para a angiotensina II, que foram bloqueadas pelo Hoe-140. Ainda através de experimentos in vivo, não foi evidenciado o envolvimento da microvasculatura renal e do músculo cardíaco no efeito bifásico da bradicinina em animais endotoxêmicos. Em adição, foi realizada uma série de experimentos ex vivo, nos quais foi observada resposta contrátil da bradicinina e hiper-reatividade à angiotensina II em leito vascular mesentérico perfundido e em artérias mesentéricas de resistência de animais LPS 24 h, nas quais a resposta contrátil à bradicinina foi sensível a losartana e a potencialização da contração induzida pela angiotensina II, foi impedida pelo Hoe-140. Ainda foi evidenciado que apesar de os efeitos pressores e contráteis à bradicinina não serem influenciados pela indometacina, a inibição seletiva da ciclooxigenase 2 em artérias mesentéricas resultou em respostas contráteis aumentadas à bradicinina. A avaliação por imunoeletroforese demonstrou que artérias mesentéricas de resistência (mas não a aorta, uma artéria de condutância) de ratos endotoxêmicos apresentaram níveis aumentados dos receptores B2 e AT1, bem como da subunidade regulatória da fosfatase de cadeia leve da miosina (MYPT1) em sua forma fosforilada. Por fim, a avaliação de imunoprecipitados isolados de homogenatos de artérias mesentéricas de resistência, usando anticorpos anti-B2 ou anti-AT1, mostraram níveis aumentados do complexo de receptores AT1/B2, em amostras do grupo LPS 24 h. Em conjunto, os resultados do presente estudo fornecem evidências que o desafio com endotoxina é um estímulo para a heterodimerização dos receptores AT1/B2 em artérias mesentéricas de resistência, o que desloca o efeito vascular dependente do receptor B2 da bradicinina para uma via mais complexa, que também depende dos receptores AT1 e da via da ROCK, culminando com efeito vasoconstritor potencializado da angiotensina II. Abstract: The kallikrein-kinin system (KKS) is composed of bioactive substances, with bradykinin as the main component. Bradykinin, after activating B1 and B2 receptors, has a variety of biological effects, including the classic vasodilator effect. In sepsis and endotoxemia, there is an intense activation of the KKS plasma pathway leading to increased bradykinin production. However, the involvement and importance of bradykinin in these conditions remains poorly understood. The renin angiotensin system (RAS) is classically described as a blood pressure and electrolyte homeostasis regulator with angiotensin II by activating the AT1 receptor, promoting a vasoconstriction effect. The activation of RAS during endotoxemia is well established in response to increased nitric oxide production and loss of peripheral vascular resistance. KKS and RAS, with counter-regulatory functions, operate in equilibrium to promote cardiovascular homeostasis. These systems have multiple levels of interaction, including the arrangement of heterodimers between B2 and AT1 receptors, even under pathological conditions. Since bradykinin can induce vasoconstriction in selected vessels or under specific experimental conditions, the present study investigated whether inflammatory stimuli, such as endotoxin challenge, may induce the dimerization of AT1/B2 receptors, altering bradykinin vascular effects. Male and female Wistar rats received a low dose of lipopolysaccharide (LPS, 1 mg/kg, i.p.) or sterile buffered saline (PBS, 1mL/kg, i.p.; control group), and were anesthetized for assessment of blood pressure and cardiovascular effects to intravenous injections of bradykinin and acetylcholine, and evaluated at 6, 24, 48 or 72 h after LPS or PBS administration. Baseline mean blood pressure, and heart rate, or bradykinin and acetylcholine-induced hypotensive effects remained unchanged in LPS groups compared with control group. However, at 24 and 48 h after LPS challenge, bradykinin-induced hypotension was followed by a sustained increase in blood pressure, which was not found in non-endotoxemic animals. From these preliminary results, we selected the LPS 24 h group, which presented hematological and biochemical evidence of systemic inflammation compared with control group. In LPS 24 h group, the B2 receptor antagonist Hoe-140 fully blocked bradykinin responses, but not the B1 receptor antagonist des-Arg9-[Leu8]-bradykinin, even when administered via intra-arterial route, in which the bradykinin pressor effect was potentiated. Bradykinin pressor effect was not prevented by prazosin, an a1- adrenoceptor antagonist, as well as indomethacin, a cyclooxygenase inhibitor, but it was inhibited by the AT1 receptor antagonist losartan or the Rho-kinase inhibitor Y- 27632. Submaximal doses of Hoe-140 and losartan administration were unable to prevent bradykinin pressor effect when administered alone. However, when the two antagonists were combined in a same LPS animal, the hypertensive effect of bradykinin was abolished. Endotoxemic rats also displayed enhanced pressor responses to angiotensin II, which were blocked by Hoe-140. Also, through in vivo experiments, the involvement of renal microvasculature and cardiac muscle in biphasic effect of bradykinin in endotoxic animals was not evidenced. In addition, there is contractile response to bradykinin and hyperreactivity to angiotensin II in perfused mesenteric vascular bed and in mesenteric resistance arteries of LPS 24 h treated animals, in which the losartan-sensitive contractile response to bradykinin and potentiation of angiotensin II-induced contraction was prevented by Hoe-140. Although bradykinin pressor and contractile effects are not influenced by indomethacin, a selective inhibition of cyclooxygenase 2, in mesenteric arteries resulted in increased contractile responses to bradykinin. Evaluation by immunoelectrophoresis showed that resistance mesenteric arteries (but not aorta, a conductance artery) from endotoxemic rats have augmented levels of B2 and AT1 receptors, as well as of phosphorylated MYPT1 subunit of myosin phosphatase. Finally, immunoprecipitants isolated from homogenates of resistance mesenteric arteries homogenates using anti-B2 or anti-AT1 antibody revealed higher levels of AT1/B2 receptor complex in samples from LPS 24 h. Together, these results provide evidence that endotoxin challenge is a stimulus for AT1/B2 receptor heterodimerization in native vessels and shifts the B2 receptor- dependent vascular effect of bradykinin to a more complex pathway. This pathway depends on AT1 receptors and ROCK, culminating in potentiated vasoconstrictor effects of angiotensin II.