Tese (Doutorado)
Mujeres y ciudadanía en Cuba: reflexiones interseccionales desde la memoria
Autor
Sóñora Soto, Ivette
Institución
Resumen
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2022. Introdução: Este trabalho apresenta um estudo da cidadania feminina cubana como parte da atuação do movimento feminista, das feministas e das outras mulheres a partir do conceito de memória. A partir desta perspectiva, a investigação faz uma crítica à falta de sistematização dentro da historiografia cubana do uso da perspectiva de gênero para abordar as mulheres como sujeitos da história, o que resulta que nos estudos da cidadania, as mulheres não sejam contempladas. Os estudos sobre aceso e participação cidadãs das mulheres são carentes dentro da historiografia cubana, então parti das seguintes questões: Como entra essa noção de cidadania na historiografia política e social em Cuba? Como e porquê surgiu o debate sobre o sufrágio feminino em Cuba? Até o momento não existe um estudo que sistematize a participação da cidadania feminina, assim meu interesse é situar as mulheres no processo complexo do aceso da cidadania, dar visibilidade para as trajetórias dos movimentos das mulheres, além de validar as memórias das mulheres, debates e posicionamentos políticos. Com base nesta abordagem, discute-se gênero e memória, sendo este último conceito chave central para falar das práticas feministas e das suas experiências na luta pela obtenção da cidadania, que não se achavam longe das lutas sociais e políticas do período, para fazer mais inteligíveis seus posicionamentos. O diálogo com a memória se estabeleceu a partir da teoria de Paul Ricoeur que permitiu compreender que as memórias têm gênero, o que facilitou destacar como os acentos, silêncios, omissões são diversos, como os lugares de onde falam essas memórias também são vários, os rastros do passado que escolhem contar os seres humanos, segundo a etnias, sexualidades, ou espaços de assimetria. O período escolhido inicia-se em 1899. Neste ano os Estados Unidos estabeleceram um governo interventor em Cuba, que delineou as rotas política e sociais da nascente República instituída em 1902, porquanto deixou as mulheres ainda de lado, pois negaram-lhes o direito do sufrágio universal apoiado na Constituição de 1901. O período estudado vai até 1934, porque é este o momento em que é aceito e se faz extensivo o sufrágio universal para as mulheres cubanas, resultado das lutas levadas pelas feministas. Além do mais, neste período, se abrem múltiplos interstícios recônditos que permitem construção da cidadania feminina. Desde este olhar, e visando as estratégias que as cubanas usaram para abrir o debate na sociedade civil e ganhar espaços de interlocução social e política no período de 1899 a 1934, a pesquisa se esboçou a partir do seguinte problema: Como a memória possibilitou colocar as mulheres como sujeitos históricos no processo de construção da cidadania feminina no período de 1899 a 1934. OBJETIVO GERAL: Analisar, a partir dos conceitos de memória e gênero, como as mulheres, como sujeitos históricos, construíram a sua cidadania no período compreendido de 1899 a 1934, em Cuba. METODOLOGIA: Para o desenvolvimento da pesquisa o procedimento metodológico se sustentou nas fontes bibliográficas, de arquivo e na imprensa. A imprensa escrita foi sobreposta às fontes arquivistas, pela sua dimensão explicativa o que vai contribuir para pensar política, gênero, cultura, raça e classe. E também vemos a imprensa como ator político, por formar parte do campo político e na conformação da sociedade civil. (KIRCHER, 2005). Além de ser um caminho para o universo das memorias, já que a imprensa como ator político e intermediário constitui uma trilha que permite chegar mais rápido ao lugar onde se vai construir realidade e memória. Olhá-la como território de memória permitiu sobretudo resgatar vozes ignoradas, caladas muitas vezes pelos arquivos, (MONTERO, 2007). Para o uso da imprensa como fonte, utilizo como bússola o que Tzvetan Todorov (2000) chama abusos de memória, para me ajudar a trazer ao presente as mulheres cubanas, suas memórias, e igualmente os esquecimentos, que permitem visualizar trajetórias das feministas na sociedade cubana. Pela Pandemia de Covid 19, não foi possível retornar aos arquivos cubanos para visitar outros fundos e para pesquisar a imprensa alternativa produzida pela esquerda anti-imperialista, a classe operária, estudantes e grupos racializados. No início, pensei em usar só a imprensa da cidade de Santiago, mas a proposta feita na qualificação levou-me a buscar outros jornais e revistas publicados em La Habana como Carteles, Bohemia e El Fígaro. Também utilizei como fontes a literatura escrita pelas mulheres, o que ajudou pensar em um antecedente feminista. A questão racial foi estudada como traço da República, assim como na movimentação social, na militância através do voto e da atuação revolucionária das feministas cubanas. No aspecto teórico, as categorias analíticas de classe e raça surgiram como parte do mesmo processo da pesquisa. E foi trabalhada segundo o conceito de interseccionalidade proposto por Kimberlé Crenshaw (2002). No caso da branquitude, este conceito foi baseado na definição de Ruth Frankenberg (2004). O estudo da questão da cidadania feminina esteve motivado pelo fato de ser um ponto chave dentro das lutas políticas e sociais das feministas no movimento feminista do início do século XX em Cuba. O sufrágio universal vai se converter em uma arma política nas mãos das feministas. O voto feminino foi estimado desde os finais do século XIX até o século XX como ferramenta de mudança mais potente dentro do processo da democratização e como algo que poderia atingir as vidas de muitos homens e mulheres. A cidadania é chave para entender a identidade e prática política das mulheres cubanas. E porque está no centro também de muitos debates em que convergem discursos múltiplos, ainda que revelem paradoxos e complexidades. Estas questões foram constatadas na pesquisa no campo dos estudos sobre cidadania nas diversas bases de dados consultadas: Scielo, Redalyc, Latindex, EBSCO. A pesquisa teve como eixos chaves o gênero na sua perspectiva analítica, e memória utilizados para escrever e pensar toda a narrativa da tese. Nessa construção, além de Paul Ricoeur (2000), outros filósofos e historiadores como Pierre Nora (2008) e Maurice Halbawchs (2004) contribuíram também. E para refletir memória a partir do gênero e tensionar os discursos do passado que ajudaram a fazer a história das mulheres e feministas foram essenciais Alejandra Oberti (2010); Alejandra Ciriza (2010); Nelly Richard (2010); Gilda Luongo (2013), María Emma Wills, e outras historiadoras e sociólogas que possibilitaram o olhar para as memórias das mulheres A teoria feminista, na sua diversidade foi fundamental para entender o movimento feminista cubano. RESULTADOS E DISCUSÃO: Para uma melhor compreensão do percurso da memória das mulheres cubanas, a tese está dividida em quatro pontos de discussões. O primeiro, centra atenção nos séculos XVIII e XIX para colocá-los como antecedentes e o início de um pensamento feminista. Este primeiro capítulo é guiado pelas noções de biopolítica foucaultiana (FOUCAULT, 2007), colonialidade de gênero (LUGONES), masculinidade hegemónica (CONNEL, 1997), que auxiliam a explicar como a literatura, o discurso científico e religioso e a domesticidade construíram uma memória da passividade das mulheres brancas. No caso das mulheres racializadas, também a biopolítica, assim como a teoria de raça proposta por QUIJANO (2000) permitiu analisar como foram controlados os corpos femininos sob o sistema escravista através dos Códigos Negros que regulamentavam as suas vidas. A interseccionalidade (CRENSHAW, K., 2002) contribuiu muito para pensar as experiências das mulheres não brancas e a violência sofrida por elas. O estudo aborda a participação das mulheres nas guerras de independência e como representações e estereótipos sobre os ideais de feminidade foram usados para deslegitimá-las. No segundo capítulo, se examina, no primeiro momento, o pensamento social de e sobre as mulheres durante o século XIX, para chegar à conclusão da existência do pensamento feminista nas obras poéticas escritas pelas mulheres, particularmente Luísa Pérez de Zambrana. Sua crítica nunca foi estudada como pensamento, porque ela só é reconhecida pelo o lirismo da sua poesia. Com base no olhar de gênero, estudamos a intervenção estadunidense para enxergar que, além do político e econômico, os interventores chegaram e ressignificaram os lugares onde as mulheres poderiam estabelecer os seus espaços de realização profissional, como professoras, enfermeiras e balconistas. Neste caso, a visão patriarcal é ressignificada e reforçada, fazendo com que fosse referendada uma Constituição na qual as mulheres foram excluídas. Estudo ainda, as comemorações patrióticas relacionadas com a imagem de José Martí, como parte da memória feminina pela qual foi feita a resistência das mulheres contra a ingerência imperialista. Para fundamentar as reflexões do terceiro capítulo, a teoria da branquitude ajudou a pensar como as mulheres racializadas estão colocadas nas profundezas da memória e como o racismo estadunidense se articulou de maneira orgânica com o racismo escravista herdeiro da colonialidade do poder espanhol, agudizada em 1912 com o massacre à população racializada. Entende-se a branquitude, então como marca racial fundamental da República cubana. Na segunda década do século XX, foi marcada pelos Congressos femininos, o primeiro realizado em 1923 teve como discussão essencial o sufrágio. No Segundo Congresso em 1925, foram colocadas na mesa as dissidências políticas dentro do movimento feminista e que serão visíveis com a Constituinte de 1928 que endossou a ditadura de Gerardo Machado. O quarto capítulo coloca em questão a memória, e procurou responder as duas perguntas que faz Paul Ricoeur (2000): ?De que há lembrança? De quem é a memória? ?. Essas questões vão servir para visualizar a participação das feministas dentro do movimento de luta desenvolvido neste período contra a ditadura de Gerardo Machado. As feministas, junto a trabalhadores e estudantes protagonizaram essas lutas revolucionarias. Uma época onde o debate sobre o direito de votar das mulheres foi intenso e que serviu, além do mais, para determinar os posicionamentos políticos das feministas. O grupo que integrou a Unión Laborista de Mujeres (ULM) fez uma movimentação para as posições marxistas até sua radicalização que levou à mudança do nome para Unión Radical de Mujeres (URM). CONCLUSÕES: Partindo do recurso da memória como ferramenta conceitual, a tese abriu várias rotas para estudar as memórias femininas e o movimento feminista cubano. Esta pesquisa não buscou somente centrar a sua atenção na cidadania como espaço para o desenvolvimento do movimento feminista mas ampliar o olhar para os vínculos históricos com as medidas futuras que beneficiaram as mulheres a partir do triunfo da Revolução cubana no ano de 1959. A partir desta perspectiva foi possível historiar as lutas feministas, fazer uma crítica à memória patriarcal que colocou os homens brancos no centro da história, legitimados pela história, questionar os vestígios do passado, além de fazer uma nova interpretação segundo Nelly Richard (2010) dos silêncios, esquecimentos, omissões, negações e lacunas. Pensar também como se pode estudar as histórias das mulheres associada aos direitos cidadãos, autonomias femininas, à participação política independente e ativa. Considera-se, portanto, com base nos estudos e na emersão deste tema, que a memória é essencial para questionar as masculinidades hegemônicas, os espaços ocupados pelas mulheres dentro dos processos históricos, os lugares de subordinação baseados na divisão sexual do trabalho. Dessa forma se fez possível visualizar a cidadania feminina cubana como conceito chave para entender a identidade e prática política das cubanas dos primeiros 35 anos do século XX. A conclusão deste olhar não está esgotada, pois a ideia proposta é possibilitar e contribuir com novas possibilidades para a história das mulheres cubanas. Abstract: The objective of this thesis was to analyze from memory how women such historical subjects built their citizenship in the period from 1899 to 1934. The work started from the fact that memories have a gender, which made it easier to highlight how accents are different, omissions, forgetfulness. The period that was selected was key in Cuban history, first because the country suffered in 1899 from an intervening government that traced the political and social routes that led to the birth of an exclusive Republic in 1902 that still left women as subjects, because it denied her the right to universal suffrage implicit in the 1901 Constitution. And 1934 for being the year in which universal suffrage for Cuban women was proclaimed, as a result of the struggles and debates carried out by feminists. And, especially in this stage, multiple interstices were opened that allowed the construction of female citizenship. The methodology used to address the issue was supported by the use of various points of view that were traced both in bibliographic, archive and press sources, as well as literature written by women and other writers. The analytical categories of class and race emerged as part of the entire research process; in the same way, whiteness, which made it easier to reveal spaces, silences and limits between speeches and action, especially when recognizing the individuality of the subjects in this case women as a constitutive part of the investigative process. The theme of citizenship was selected because it constitutes one of the key points within the feminist movement, in its struggle to obtain this right and for its social and political imprint. The work used the concepts of gender and memory as key axes to place female citizenship in the debate, as it is a very little visible issue within Cuban historiography.