Tese
Migração de peixes no rio Jequitinhonha: padrões migratórios e habitats críticos para o recrutamento
Fecha
2020-11-30Autor
Fernanda de Oliveira Silva
Institución
Resumen
Migração, desova e recrutamento de peixes Neotropicais são amplamente estudados em rios de planície de inundação, onde o pulso de inundação e a conexão lateral de habitats desempenham um papel central. Em sistemas semiáridos, onde o regime de fluxo é menos previsível e os corpos d'água intermitentes, peixes migradores devem apresentar diferentes comportamentos migratórios e estratégias de recrutamento, embora estudos nesses sistemas sejam escassos. Além disso, os impactos da fragmentação de habitat e introdução de espécies podem ser intensificados em sistemas semiáridos, tornando-os uma prioridade de estudo e conservação. Nessa tese, investigamos o comportamento migratório e fatores que afetam a dinâmica de recrutamento da curimba nativa (Prochilodus hartii) do rio Jequitinhonha, uma bacia do semiárido, Brasil, em um contexto de regulação hidrológica e hibridização com espécies não nativas. Para isso, dividimos a tese em dois estudos independentes, apresentados em dois capítulos. No primeiro capítulo, investigamos a dinâmica reprodutiva e de recrutamento da espécie, sua relação com o regime hidrológico e distribuição espacial. Coletamos amostras de ovos, larvas e jovens do ano (YOY) ao longo de 2 anos e subadultos ao longo de sete anos, em vários pontos amostrais distribuídos ao longo de 300 km do Rio Jequitinhonha, a montante e a jusante da UHE Irapé, uma grande barragem hidrelétrica construída na calha do rio. Encontramos maiores densidades de ovos e larvas em locais sem influência do barramento, afetados principalmente pelas variações semanais e diárias no nível da água. A probabilidade de captura de YOY aumentou em 40% quando um riacho lateral estava presente, enquanto a probabilidade de ocorrência de YOY foi afetada pelo tamanho do trecho lótico. A abundância de subadultos não foi correlacionada com nenhuma variável vinculada ao regime de cheias. Esses resultados mostram que curimbas de um rio do semiárido e sem planície de inundação apresentaram relações distintas com o regime de cheias quando comparadas às curimbas de rios de planície, visto que a dinâmica de recrutamento acontece na calha do rio principal, com baixa dependência por ambientes laterais. No segundo capítulo, investigamos a dinâmica migratória de P. hartii frente aos impactos de alteração de habitat e hibridização com espécies não nativas, por meio do uso de técnicas de telemetria (radio e acústica) e análises genéticas. No estudo de migração, o comportamento de curimbas foi avaliado em 4 grupos de peixes, sendo 2 em trechos a montante e 2 em trechos a jusante da UHE Irapé. A jusante, monitoramos peixes marcados e liberados no canal de fuga da UHE Irapé (RL1) e a 80 km abaixo da barragem, próximo ao seu principal tributário, rio Araçuaí (RL2). A montante, monitoramos peixes oriundos do reservatório (RL3) e transpostos para o reservatório (RL4), simulando um sistema de transposição de peixes. As maiores distâncias deslocadas foram detectadas nos peixes de RL2, e o rio Araçuaí, livre de barramento, mostrou-se como importante rota migratória. Os peixes sob influência direta da barragem tenderam a mover distâncias mais curtas, tanto no reservatório (RL3) quanto imediatamente abaixo da barragem (RL1). Quase todos os peixes liberados no reservatório não conseguiram migrar para trechos lóticos a montante, especialmente aqueles transpostos (RL4). Detectamos uma alta proporção de hibridização no trecho de jusante, e peixes nativos e híbridos apresentaram comportamento migratório muito semelhante. Considerando os resultados dos dois capítulos, concluímos que existem duas populações independentes na região (uma acima e outra abaixo da barragem), autossustentáveis; no entanto, ambas as populações estão sendo impactadas por ação humana. A modificação e fragmentação do habitat alterou o comportamento migratório e o recrutamento em um longo trecho de rio, particularmente a montante. Além disso, a introgressão genética, principalmente no trecho de jusante, ameaça a permanência de P. hartii no Jequitinhonha. Isso indica que medidas de conservação, como a preservação de trechos lóticos, são urgentes para proteger as populações remanescentes a montante e a jusante da barragem.