Dissertação (Mestrado)
Etnobotânica das canoas de um tronco só, sob uma perspectiva temporal, ao longo do litoral sul-sudeste brasileiro
Fecha
2018Autor
Paula, Laís Lima de
Institución
Resumen
Muitas das comunidades humanas da região litorânea sul-sudeste brasileira possuem uma estreita relação com a Mata Atlântica, sendo este bioma importante para sua reprodução social. Os habitantes desta região utilizam diversas plantas para diferentes categorias, tais como plantas alimentícias, medicinais e para manufaturas, sendo estas últimas usadas, por exemplo, para a fabricação de artefatos de madeiras, como os remos e as canoas de um tronco só. A canoa de um tronco só é uma embarcação feita a partir de um único tronco de árvore e foi um dos primeiros tipos de embarcações construídas e usadas pelos humanos praticamente em todos os continentes. Apesar da prática da construção de canoas estar em declínio, ela ainda é fabricada e utilizada, no Brasil e em outros locais do mundo, principalmente para a pesca artesanal. Existe uma grande variedade de canoas especialmente em relação à espécie arbórea que foi usada na sua construção e ao seu tamanho devido às diferentes características físicas do local, disponibilidade de matéria-prima e finalidade da embarcação. Esta pesquisa teve como objetivo geral compreender a variação de canoas de um tronco só quanto ao seu tamanho e à espécie arbórea usada para sua construção, ao longo do tempo, e entre regiões do litoral sul-sudeste brasileiro, sob um enfoque etnobotânico. Dividimos a área de estudo em quatro regiões, compreendidas dentro do domínio da Mata Atlântica, entre o Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e o Cabo de Santa Marta, em Santa Catarina. Os dados foram coletados através de 53 entrevistas semiestruturadas com os artesãos e de medições e registro de informações de 344 canoas de um tronco só. As canoas foram divididas em dois grupos: canoas antigas (acima de 41 anos de idade), que representam o passado, e canoas recentes (até 41 anos de idade) que representam o presente. De acordo com o conhecimento dos 53 artesãos, identificamos que a escolha da espécie arbórea para a construção da canoa variou ao longo do tempo e entre regiões da Mata Atlântica. As espécies arbóreas mais citadas de uso atual foram Schizolobium parahyba (artesãos das regiões 3 e 4), Albizia pedicellaris e Tachigali sp. (região 2), Vochysia bifalcata e Calophyllum brasiliense (região 3); de uso no passado (há mais de 41 anos atrás) foram Nectandra sp. / Ocotea sp. (região3 e 4), Cedrela fissilis (regiões 2, 3, e 4), Ficus sp. (região 4) e Schizolobium parahyba (região 2). O tamanho das canoas variou em função do tempo (passado e presente), das regiões (1, 2, 3 e 4), do ambiente (exposto ou abrigado) em que elas são utilizadas e dos tipos de modalidade de pesca que exercem. As espécies arbóreas Araucaria angustifolia, Enterolobium sp., Clarisia racemosa e Ficus sp. foram encontradas somente no grupo das canoas antigas. Schizolobium parahyba e Cedrela fissilis foram as espécies mais frequentes tanto no grupo das canoas recentes como no grupo das antigas, sendo que para ambas as espécies a média do tamanho das canoas recentes foi menor do que a média do tamanho das antigas. De acordo com o conhecimento dos artesãos e com as análises das canoas, percebemos que houve diferenças significativas quanto ao uso de espécies arbóreas e seus respectivos tamanhos, no passado e no presente, estando relacionadas a mudanças na vegetação do bioma ao longo do tempo, sendo um sistema manejado durante séculos e que está em constante transformação. Essas mudanças na vegetação interferem tanto na disponibilidade de espécies arbóreas como também no tamanho dos indivíduos arbóreos ao longo do tempo. A modalidade de pesca que a canoa exerce e o ambiente em que é usada também foram fatores que influenciaram na variação do tamanho das canoas. Variações de latitude e intensidade da perturbação no ambiente possivelmente contribuem para a ocorrência de espécies diversas ao longo das quatro regiões estudadas da Mata Atlântica. O maior rigor das leis ambientais e da fiscalização ambiental sobre o corte de árvores foi um fator contributivo para as mudanças de hábitos em populações tradicionais, como a substituição das canoas de um tronco só pelas canoas de fibra ou por botes e barcos a motor. Abstract : Many of the human communities in the south-southeast brazilian coastal region have a close relationship with the Atlantic Forest, being this biome important for its social reproduction. The inhabitants of this region use several plants for different categories, such as food, medicinal and for manufactures, the latter being used, for example, for the manufacture of artifacts from the use of wood, such as oars and dugout canoes. The dugout canoe is made from a single tree trunk and was one of the first types of boats built used by humans, present on almost every continent. Although the practice of canoe construction is in decline, it is still manufactured and used in Brazil and elsewhere in the world, especially for artisanal fishing. There is a wide variety of canoes especially in relation to the arboreal species used in its construction and to its size, due to the different physical characteristics of each place, availability of raw material, and purpose of the vessel. The objective of this research was to understand the variation of dugout canoes as the arboreal species used for its construction and its size, along the time and between regions of the Brazilian south-southeast, under an ethnobotanical approach. We divided the study area into four regions, comprised within the Atlantic Forest domain, between Cabo Frio in Rio de Janeiro and Cabo de Santa Marta in Santa Catarina. The data were collected through 53 semi-structured interviews with the artisans and of measurements and information recorded for 344 dugout canoes. The canoes were divided into two groups: old canoes (over 41 years old), representing the past, and recent canoes (up to 41 years old), representing the present. According to the knowledge of the 53 artisans, we identified that the choice of arboreal species for canoe construction varied over time and between regions of the Atlantic Forest. The arboreal species most cited in current use were Schizolobium parahyba (artisans of regions 3 and 4), Albizia pedicellaris and Tachigali sp. (region 2), Vochysia bifalcata and Calophyllum brasiliense (region 3); of use in the past (more than 41 years ago) were Nectandra sp. / Ocotea sp. (regions 3 and 4), Cedrela fissilis (regions 2, 3 and 4), Ficus sp.(region 4) and Schizolobium parahyba (region 2). The size of the canoes varied according to the time (past and present), to the regions, the environment (exposed or sheltered) in which they are used, and the types of fishing. The arboreal species Araucaria angustifolia, Enterolobium sp., Clarisia racemosa and Ficus sp. were found only in the group of old canoes. Schizolobium parahyba and Cedrela fissilis were the most frequent species both in the group of recent canoes and in the group of the old ones; for both species the average of the size of the recent canoes was smaller than the average of the old ones. According to the knowledge of the artisans and the analysis of the canoes, we noticed that there were significant differences regarding the use of arboreal species and their respective sizes, in the past and present, being related to changes in the vegetation of the biome over time, being a system managed for centuries, and which is constantly changing. These changes in vegetation interfere both in the availability of arboreal species and in the size of arboreal individuals over time. The type of fishing that the canoe carries and the environment in which it is used also interfere the size of the canoes. Differences in latitude and intensity of disturbance in the environment are factors that contribute to the availability of varied species along the four studied regions of the Atlantic Forest. The greater rigor of environmental laws and environmental monitoring on tree cutting was a contributory factor for changes in habits in traditional populations, such as the replacement of dugout canoes made of wood by fiber canoes or boats and motor boats.