Thesis
A visão das empresas de mineração acerca do seu papel em relação aos direitos humanos : uma leitura a partir dos seus relatórios de sustentabilidade e de sua política de direitos humanos
Fecha
2022-09-01Autor
Scabin, Flávia
Institución
Resumen
Uma série de riscos e impactos ao meio ambiente e aos direitos das populações locais vêm sendo associados à mineração no Brasil. Nos últimos dez anos, foram dois desastres, envolvendo as empresas Samarco, em 2015, e a Vale, em 2019, além de diversos incidentes, como o derramamento de rejeitos de minérios da barragem da Hydro, em Barcarena, em 2018. Isso apesar de o Brasil ter adotado os Princípios Orientadores da ONU Sobre Direitos Humanos, em 2011, comprometendo-se a cobrar das empresas o respeito aos direitos humanos.
Um dos objetivos da ONU, com os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, foi estabelecer um padrão e um conteúdo mínimo de direitos a serem ser respeitados pelas empresas, onde quer que operem, com base nos Tratados, Declarações e Convenções de Direitos Humanos adotados por grande parte dos Estados. Para isso, espera-se que as empresas estejam plenamente conscientes dos seus impactos nos direitos humanos, realize ações concretas para preveni-los, além de remediar os danos com os quais esteja envolvida, seja diretamente por suas ações, por meio de suas atividades ao longo de sua cadeia de fornecimento ou operações nos diferentes territórios. Com isso, um dos objetivos da ONU é reagir às “falhas” e “inconsistências” de movimentos como o da Responsabilidade Social Coorporativa, oferecendo uma resposta para a falta de clareza e de cobrança acerca das responsabilidades das empresas em relação aos direitos humanos. Dessa forma, há uma mudança de paradigma acerca da responsabilidade das empresas em relação aos direitos humanos em dois sentidos: (i) não basta não violar os direitos humanos, é preciso agir para prevenir os riscos e impactos das operações da empresa nos direitos humanos, especialmente em territórios mais vulneráveis; (ii) o compromisso das empresas em relação aos direitos humanos se estende para além de suas relações diretas, com seus colaboradores por exemplo, e avança para sua cadeia de fornecimento, sendo proporcional à complexidade de suas relações comerciais e à sua capacidade de influência para prevenir abusos a direitos .
Desde os anos 1990, mas especialmente a partir dos anos 2000, com os Princípios Voluntários sobre Empresas Privadas, as empresas de mineração, especialmente as grandes empresas operando no Brasil, afirmam e relatam sobre ações de responsabilidade social, sobre sustentabilidade, agora sobre “ESG”, tendo também se comprometido a observar os Princípios Orientadores da ONU Sobre Empresas e Direitos Humanos, por meio de Políticas de Direitos Humanos e de seus relatórios de sustentabilidade. Isso, porém, não parece ter mudado o padrão de riscos e abusos a direitos relatados pela academia e pela sociedade civil organizada. A adoção dos Princípios Orientadores trouxe alguma mudança sobre a forma de fazer negócios? Houve algum avanço no sentido de realizar o respeito aos direitos humanos? É possível verificar a mudança de paradigma que os Princípios trazem consigo no que relatam formalmente as empresas sobre a sua relação com os direitos humanos? Considerando-se essas questões, esse trabalho buscou sistematizar e analisar os relatórios de sustentabilidade das empresas de mineração no Brasil, considerando-se suas atividades e operações entre 2009 e 2019, assim como suas Políticas de Direitos Humanos. Os resultados dessas análises permitiram concluir que não houve alteração acerca de como as empresas percebem a sua relação com os direitos humanos. O que contam, na grande parte dos casos, são compromissos em relação aos direitos, acerca dos quais não se avança concretamente na adoção de ações e de processos voltados ao respeito aos direitos humanos. Da mesma forma que concluiu o Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos em visita oficial ao Brasil em 2015, as empresas parecem fazer negócios como sempre fizeram (business as usual): concentram-se em evitar o envolvimento com abusos a direitos – os quais impõe riscos aos negócios - e conferem maior atenção aos direitos associados às suas atividades intramuros, sobretudo em relação aos direitos trabalhistas, que comparativamente a riscos a direitos associados ao deslocamento forçado de populações ou a conflitos associados à terra, tendem a ser mais regulados. Com o apoio de entrevistas realizadas com membros da alta gestão das empresas de mineração e com pessoas atingidas, esses resultados permitiram levar à conclusão de que parte das falhas das empresas em respeitarem os direitos humanos são falhas do Estado, de não realizar a sua obrigação de proteger os direitos humanos. For companies to respect human rights, it is expected that they are fully aware of their impacts on human rights, take concrete actions to prevent them, in addition to remedying the damages with which they are involved, either directly through their actions, through of its activities along its supply chain or operations in different territories. Thus, one of the UN's objectives is to react to the “failures” and “inconsistencies” of movements such as Corporate Social Responsibility, offering a response to the lack of clarity and enforceability about the responsibilities of companies in relation to human rights. Thus, there is a paradigm shift regarding corporate responsibility in relation to human rights in two ways: (i) it is not enough not to violate human rights; it is necessary to act to prevent the risks and impacts of the company's operations on human rights, especially in the most vulnerable territories; (ii) the responsibility of companies in relation to human rights extends beyond their direct relationships, with their employees for example, and advances to their supply chain, being proportional to the complexity of their commercial relationships and their ability to influence prevent rights abuses. Since the 1990s, but especially since the 2000s, with the Voluntary Principles on Private Companies, mining and steel companies, especially large companies operating in Brazil, affirm and report on social responsibility actions, on sustainability, now on “ESG”, having also committed to observe the UN Guiding Principles on Business and Human Rights, through its Human Rights Policies and its sustainability reports. This, however, does not seem to have changed the pattern of risks and rights abuses reported by academia and organized civil society. Has the adoption of the Guiding Principles brought about any change in the way you do business? Has there been any progress towards achieving respect for human rights? Is it possible to verify the paradigm shift that the Principles bring with them in what companies say about their relationship with human rights? Considering these issues, this work sought to systematize and analyze the sustainability reports of mining companies in Brazil, considering their activities and operations between 2009 and 2019, as well as their Human Rights Policies. The results of these analyzes allowed us to conclude that there was no change in how companies perceive their relationship with human rights. What count, in most cases, are commitments in relation to rights, about which no concrete progress is made in the adoption of actions and processes aimed at respecting human rights. As the UN Working Group on Business and Human Rights concluded on an official visit to Brazil in 2015, companies seem to do business as usual: they focus on avoiding involvement in rights abuses – which impose risks on businesses - and give greater attention to the rights associated with their intramural activities, especially in relation to labor rights, which, compared to risks to rights associated with the forced displacement of populations or conflicts associated with land, tend to be more regulated and controllable. With the support of interviews carried out with members of the top management of mining companies and with people affected, these results led to the conclusion that part of the failures of companies to respect human rights are failures of the State, of not fulfilling its obligation to protect human rights.