Dissertation
Disputas legislativas e escolhas políticas para o enfrentamento da violência doméstica contra as mulheres: um estudo sobre a formulação de políticas públicas pela Câmara dos Deputados
Fecha
2021-06-25Autor
Guaranha, Olívia Landi Corrales
Institución
Resumen
A violência doméstica entrou na agenda governamental brasileira nos anos 80, mas apenas em 2006 o tema ganha a agenda decisória federal com a criação da Lei Maria da Penha (LMP). Desde então, a pauta não saiu mais da agenda governamental e decisória, provocando a proposição de diversos Projetos de Lei ao longo dos anos. Segundo Baumgartner e Jones (2009), as políticas públicas passam por longos períodos de equilíbrio, mantido pelo monopólio de um conjunto de ideias em torno das ações a serem tomadas e em torno da imagem da política estruturada para tratar de um determinado problema público. Esse equilíbrio é pontuado por momentos de rápida e intensa mudança, em que novas ideias e imagens ganham força. Dessa forma, políticas que permanecem na agenda por longos períodos, podem ser percebidas de formas diferentes em momentos históricos diferentes. Para compreender esses processos de permanência e mudança, mobilizamos uma abordagem cognitiva sobre políticas públicas a partir da qual propostas para a solução de problemas públicos decorrem da percepção desses problemas, obtida a partir de matrizes cognitivas criadas pelo debate público e utilizadas como modelos para a interpretação do mundo (MULLER, 2000). Essas matrizes, também chamadas de frames ou quadros interpretativos, são narrativas genéricas que “enquadram” os problemas públicos servindo para diagnosticá-los e traçar prognósticos, ou seja, propostas de solução (REIN & SCHÖN, 1996). Os objetivos principais deste trabalho são compreender quais frames estão presentes nas discussões sobre políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres e como se vinculam a momentos de equilíbrio ou mudança dessas políticas. Para isso, estudamos sua formulação na Câmara dos Deputados brasileira desde o final dos anos 80 até 2020. Mobilizamos a critical frame analysis (VERLOO & LOMBARDO, 2007; REIN & SCHÖN, 1996) para analisar um total de 239 Projetos de Lei ordinária (PLs) propostos sobre o tema no período. Além da análise dos PLs, foram conduzidas 7 entrevistas com assessoras parlamentares e ativistas feministas. Os achados foram validados a partir de notícias e outros documentos relevantes. Entre os achados, notamos a presença de cinco frames principais nos debates em torno da política de enfrentamento à violência doméstica no Legislativo. O primeiro, que chamamos proteção aos direitos humanos das mulheres, foi desenvolvido e é promovido pelos movimentos feministas, sendo o responsável pelo estabelecimento da LMP. Os frames familista-essencialista, privatista e de priorização dos homens foram desenvolvidos a partir de perspectivas conservadoras que são opostas às do paradigma da LMP. No meio do caminho, está o frame punitivista, que inscreveu a violência doméstica como um problema de grande relevância na agenda legislativa e consegue criar consensos entre diferentes setores da política, mas que, em contrapartida, pode descaracterizar o paradigma da LMP. Domestic violence entered the Brazilian governmental agenda in the 80s, but only gained the federal decision agenda in 2006 through the formulation of the Maria da Penha Act. Since then, the theme is on the governmental and decision agendas, leading to the proposition of a series of bills throughout the years. Baumgartner and Jones (2009) claim that policies go through long periods of equilibrium, kept by a monopoly of ideas on how to address a certain problem which constitute an image about this policy. This equilibrium can be punctuated by moments of rapid and intense change, when new ideas and images gain strength in the public realm. In order to understand these processes of equilibrium and change, a cognitive approach on public policies was mobilized. According to this approach, propositions to resolve public issues originate from the perception around these issues. This perception is built from cognitive matrixes created in the public sphere and used to interpret the world (MULLER, 2000). These matrixes, also called frames, are generic narratives that “frame” public issues and present a diagnosis and a prognosis around them (REIN & SCHÖN, 1996). The main objectives of this work are to understand which frames surround debates on policies to address domestic violence against women and how these frames are connected to the equilibrium and change of these policies. In order to achieve these goals, we have studied the formulation of these policies on the Brazilian Chamber of Deputies from the end of the 80s up to 2020. We have used a critical frame analysis approach (VERLOO & LOMBARDO, 2007; REIN & SCHÖN, 1996) to analyze 239 bills proposed on this theme. We have also conducted 7 interviews with parliamentary assistants and feminist activists. The findings were validated using other documents and news reports. Among other findings, we have noted the presence of five main frames on the parliamentary debates about domestic violence policies. The first, protection of female human rights, was developed and promoted by feminist movements, being responsible for establishing the Maria da Penha Act. The familist-essentialist, privatist and male prioritization frames were developed by conservative groups and oppose to the Maria da Penha Act paradigm. In between is a punitive frame through which consensus is built and domestic violence is seen as a problem of great relevance. However, the ascension of this frame can also mischaracterize the previous paradigm.