dc.description | O soro antiofídico, produzido a partir do plasma hiperimune de animal, normalmente
equino, é utilizado como terapêutica oficial para os casos de envenenamento por
serpentes. Essa terapia é empregada há mais de cem anos e possui alta eficácia para
neutralização dos danos sistêmicos. Entretanto, apresenta limitações para
neutralização dos danos teciduais locais. Além disso, as reações de
hipersensibilidade desencadeadas pelo antiveneno, o alto custo para a manutenção
de animais de grande porte, a dificuldade de produzir lotes homogêneos e a
instabilidade desses produtos biológicos, instigam a busca de produtos inovadores na
área. Devido às características estruturais e biológicas apresentadas pelos
nanocorpos de camelídeos (VHH), como pequeno tamanho (15 kDa), estabilidade a
variações de temperatura, facilidade de produção em sistema de expressão
microbiano e à versatilidade biotecnológica, o Laboratório de Engenharia de
Anticorpos da Fiocruz RO produziu VHHs, utilizando a Tecnologia Phage Display,
contra duas fosfolipases (PLA2) miotóxicas majoritárias do veneno de Bothrops
jararacussu, bothropstoxina I (BthTX-I) e bothropstoxina II (BthTX-II). O objetivo do
presente estudo foi a caracterização in vitro e in vivo de dois clones VHHs anti-
BthTX-I e II (KC329715 e KC329718), além da identificação in silico dos possíveis
sítios de interações entre os clones selecionados e as toxinas em estudo. Após
expressão e purificação dos clones, a interação dos VHHs com ambas as toxinas foi
verificada por Western Blot (WB) e Ressonância Plasmônica de Superfície (SPR). A
reatividade cruzada dos VHHs foi testada por ELISA, utilizando 21 venenos e 8
toxinas isoladas de diferentes serpentes. Para investigar o potencial de neutralização
do VHH sobre a atividade fosfolipásica de BthTX-II foi utilizado fosfolipídio sintético
fluorescente. A capacidade de inibição da miotoxicidade de B. jararacussu pelo VHH
(KC329718) foi mensurada in vivo pelo nível de creatino-quinase liberado em grupos
de camundongos tratados ou não com toxinas e veneno bruto pré-incubados com
VHH. Os aminoácidos envolvidos na interação antígeno-anticorpo foram
determinados por estudos in silico de Docking molecular. Enquanto o clone VHH
KC329718 foi capaz de reconhecer ambas as toxinas por WB, o clone KC329715
apresentou baixa ou nenhuma reatividade. Por SPR, o VHH KC329718 demonstrou
afinidade por BthTX-I e BthTX-II em escala nanomolar. No ensaio de reatividade
cruzada, ambos os VHHs reconheceram venenos e toxinas de diferentes espécies
do gênero Bothrops, e não demonstraram interação com antígenos crotálicos. Nos
estudos de neutralização, foi observado que o VHH KC329718 inibiu in vitro
aproximadamente 60% da atividade fosfolipásica de BthTX-II, e foi capaz de inibir,
em camundongos, cerca de 50% da miotoxicidade induzida por ambas as toxinas e o
veneno bruto. O Docking molecular indicou os resíduos de aminoácidos dos VHHs
que interagem com a região C-terminal de ambas as toxinas, essenciais para a
atividade miotóxica, e com epítopos do sítio catalítico ou sítio de ligação do cálcio de
BthTX-II. Os resultados demonstrando alta afinidade, reconhecimento específico de
veneno botrópico, potencial de inibição das atividades fosfolipásica e miotóxica pelo
VHH, suportam a idéia de que o insumo é uma ferramenta biotecnológica promissora
para auxiliar no tratamento do envenenamento ofídico, um problema mundial de
saúde pública. | |