dc.description | No interior de uma cultura falocêntrica a escrita epistolar foi considerada pelos
críticos literários uma literatura menor. Por sua vez, os historiadores entenderam por longos
anos as cartas pessoais como uma fonte de pesquisa inapropriada ao conhecimento histórico.
Neste texto, procuro positivar a literatura de si oriunda das correspondências originadas no
âmbito privado, destacando que essa forma de produção literária pode ser tão transgressiva
quanto a denominada “grande literatura”, isto é, aquela que visa transpor os limites da linguagem,
pois nesse caso específico trata-se de recriar a nós mesmos, de transpor as fronteiras do que
somos no espaço intersubjetivo da troca epistolar e da amizade. Assim, interpreto as cartas
pessoais da artista plástica paulista Anita Malfatti (1889-1964) endereçadas ao escritor modernista
Mário de Andrade (1893-1945) como uma literatura menor, no sentido apontado por Gilles
Deleuze e Felix Guattari. Essa escrita de caráter privado está associada à construção de uma
escultura de si, de uma estética da existência para usar o conceito formulado por Michel
Foucault. Portanto, leio a literatura de si das cartas da artista plástica como uma escritura
contra-hegemônica e política, pois nas linhas de suas missivas o enredo que se compõe é o da
produção de uma subjetividade feminina autônoma que resiste às subjetivações ligadas à
família, ao Estado e à Igreja. | |