Tese
Desenvolvimento e validação da sexta versão da Addiction Severity Index (ASI6) para o Brasil e outras análises em uma amostra multicêntrica de usuários de drogas que buscam tratamento no país
Autor
Kessler, Felix Henrique Paim
Resumen
Conforme revisão da literatura, existem poucos instrumentos de pesquisa no Brasil que avaliam de forma mais ampla os problemas relacionados ao álcool e outras drogas. Neste contexto, a sexta versão do Addiction Severity Index (ASI6) foi escolhida para ser validada no Brasil. Trata-se de uma entrevista semi-estruturada que foi planejada de forma multidimensional para obter informações sobre os problemas de abuso de substância e outros aspectos da vida como: médico, ocupacional, aspectos legais, sócio-familiar e psiquiátrico. Essa tese descreve na sua introdução as modificações dessa versão do instrumento, que foi desenvolvida para aprimorar seu conteúdo e corrigir as principais limitações das versões anteriores. A tese contém 5 manuscritos e teve como objetivos principais: adaptar a escala traduzida como Escala de Gravidade de Dependência (ASI6) para a cultura brasileira (carta ao editor anexada), apresentar o instrumento através de um caso clínico (artigo 1), além de testar algumas de suas propriedades psicométricas em uma população clínica (artigo 2). Para isso, um estudo transversal multicêntrico foi conduzido em 4 capitais de estados brasileiros, e as características da amostra foram descritas (artigo 3) e comparadas entre os cinco centros de pesquisa que coordenaram o estudo. Foram entrevistados por cinco centros de pesquisa 150 pacientes adultos internados ou em tratamento ambulatorial que buscaram tratamento em centros especializados em dependência química. Um total de 740 abusadores ou dependentes de substâncias foi selecionado. A qualidade dos dados coletados foi assegurada pelo treinamento e supervisão dos entrevistadores. A maioria dos pacientes entrevistados era do sexo masculino (78%) e a média de idade foi de 36 anos, e as drogas mais consumidas nos últimos 30 dias foram: álcool (82%), cocaína/crack (51%) e maconha (41%). No geral, não houve grandes diferenças significativas entre os centros no que tange aos escores de gravidade do ASI6. Na análise psicométrica, a maioria das áreas da ASI demonstrou boa confiabilidade, sem diferenças estatisticamente significativas entre os Escores Sumários de Funcionamento Recente (SS-Rs) da ASI-6 no teste-reteste e entre entrevistadores. O alfa de Cronbach para as subescalas da ASI-6 variou de 0,64 a 0,95. Correlações entre os escores da área Álcool e Drogas da ASI-6 e o instrumento concorrente (ASSIST) foram altas (0,72 e 0,89, respectivamente). Encontrou-se também uma correlação negativa, estatisticamente significativa entre os escores nas áreas psiquiátrica, médica e drogas, e os escores da WHOQOL. Esses primeiros resultados apontam para uma boa confiabilidade e validade da Escala de Gravidade de Dependência para a cultura brasileira. Além dos aspectos acima mencionados, a tese também inclui outras análises relacionadas a essa amostra na forma de artigos científicos. O primeiro deles (artigo 4), compara 293 usuários de crack com 126 usuários de cocaína e 324 pacientes que apresentaram uso de álcool e outras drogas, e demonstrou que o grupo de usuários de crack apresentou mais indivíduos (25%) com personalidade antissocial do que usuários de cocaína (9%) e usuários de outras drogas (9%), mesmo depois de ajuste para idade e gênero, com uma Razão de Prevalência de 2,6 (IC 95%: 1,10-6,40). Através dos escores de gravidade do ASI, os usuários de crack também demonstraram significativamente mais problemas ocupacionais, familiares e legais, principalmente devido ao envolvimento em atividades ilegais como tráfico de drogas e outros crimes, quando comparados a outros usuários de substâncias psicoativas. Por fim, um outro estudo (artigo 5) avaliou a qualidade de vida (QV), através do WHOQOL-BREF, de 174 sujeitos que consideraram o álcool como causador de sérios problemas em suas vidas e os fez buscar tratamento especializado para esse problema. Quando comparados os SS-Rs entre tercis de gravidade de problemas de álcool, encontraram-se diferenças significativas (p=0,002) nos domínios físicos e psicológicos que eram mais baixos no grupo com mais problemas relacionados ao álcool. Além disso, o aumento da gravidade dos problemas desses pacientes, especialmente nas áreas médica e psiquiátrica, avaliados pelos SS-Rs do ASI6 também apresentou uma correlação negativa com os escores do WHOQOL-BREF. Através dos achados dessa tese, conclui-se que o ASI6 poderá ser incorporado ao arsenal diagnóstico de pacientes usuários de drogas que buscam tratamento, a fim de auxiliar a avaliar a sua problemática, e melhorar as estratégias de abordagem e intervenção relacionadas às necessidades específicas dessa população. Sem dúvida, serão necessários novos estudos de avaliação psicométrica com outras amostras de consumidores de substâncias psicoativas. Os resultados da tese também sugerem que os usuários de crack devem ser melhor avaliados com o ASI6 ou com outros instrumentos que abordam sintomas psiquiátricos, especialmente quanto a comportamentos antissociais, que provavelmente estão relacionados aos inúmeros problemas legais, familiares e sociais dessa população. Ademais, os achados finais indicam que alcoolistas que buscam tratamento devem ser avaliados quanto aos seus sintomas psiquiátricos e que a diminuição da gravidade dos problemas relacionados ao álcool poderá melhorar a qualidade de vida psicológica desses pacientes. A review of the literature demonstrated that there are few instruments in Brazil to assess the problems related to alcohol and other drugs in a more general manner. In this context, the sixth version of the Addiction Severity Index (ASI-6) was chosen to be validated in Brazil. This instrument consists of a semi-structured interview that was designed in a multidimensional way to collect data about problems related to substance abuse and other aspects of life in the medical, occupational, legal, social relations and family, and psychiatric domains. This version of the instrument was modified with the purpose of improving its content and solving the major limitations of the previous versions. The present dissertation includes five manuscripts and its main objectives were: to adapt the ASI-6 to the Brazilian culture (letter to the editor attached); to present this instrument based on a clinical case (manuscript 1); and to test some of its psychometric properties in a clinical population (manuscript 2). In order to reach these objectives, a multicenter study was conducted in four Brazilian state capitals. The characteristics of the sample were described (manuscript 3) and compared between the five research centers that coordinated the study. A total of 150 adult inpatients or outpatients who sought treatment at five specialized centers for substance abuse were interviewed. A total of 740 substance dependent or abusers were selected. Interviewers were trained and supervised to ensure the quality of the data collected. Most patients were male (78%) and their mean age was 36 years. The most abused drugs in the previous 30 days were: alcohol (82%), cocaine/crack (51%), and marijuana (41%). Overall, there were no major differences between the research centers regarding the ASI-6 severity scores. According to the psychometric analysis, most areas of the ASI demonstrated good reliability, with no statistically significant differences between the ASI-6 Summary Scores for Recent Functioning (SS-Rs) in the test-retest and between interviewers. The Cronbach's alpha for the ASI-6 subscales ranged from 0.64 to 0.95. The correlations between the ASI-6 and the other instrument (ASSIST) scores for the alcohol and drugs area were high (0.72 and 0.89, respectively). There was also a negative statistically significant correlation between the scores of the psychiatric, medical and drugs areas and the scores of the WHOQOL. These initial results suggest a good reliability and validity of the ASI for the Brazilian culture. In addition to the above mentioned aspects, this dissertation also includes additional analyses related to this sample presented in two other scientific papers. The first study (manuscript 4) compared 293 crack users with 126 cocaine users and 324 patients who used alcohol and other drugs. The results demonstrated that the group of crack users had more individuals (25%) with antisocial personality than the group of cocaine users (9%) and the users of other drugs (9%) even after adjusting for age and gender, with a Prevalence Ratio of 2.6 (CI95%: 1.10 to 6.40). Based on the ASI severity scores, crack users also showed significantly more occupational, family and legal problems, mainly in terms of involvement in illegal activities such as drug dealing and other crimes, when compared with other drug users of psychoactive substances. Finally, another study (manuscript 5) used the WHOQOL-BREF to evaluate the quality of life (QoL) of 174 subjects who considered that alcohol was causing serious problems in their lives and led them to seek specialized treatment. When the SS-Rs between the severity tertiles of alcohol problems were compared, there were significant differences (p = 0.002) in the physical and psychological domains, which were lower in the group with more alcohol-related problems. Furthermore, the increased severity of these patients' problems, especially in the medical and psychiatric areas assessed by the ASI-6 SS-Rs, also showed a negative correlation with the WHOQOL-BREF scores. Based on these findings, it is possible to conclude that the ASI-6 may be included in the set of diagnostic instruments of drug users seeking treatment to help assess their problems and improve the approach and intervention strategies related to the specific needs of this population. Indeed, further psychometric assessment studies involving other samples of psychoactive substance users are needed. The results of this dissertation also suggest that crack users should be better evaluated using the ASI- 6 or other instruments dealing with psychiatric symptoms, especially regarding antisocial behaviors, which are probably related to the high rate of legal, family and social problems of this population. In addition, the final findings indicate that alcoholics who seek treatment should have their psychiatric symptoms assessed and that a decrease in the severity of alcohol-related problems may improve the psychological quality of life of these patients.