Entre o discurso moral e a prática cotidiana: a universalidade do acesso, as políticas públicas e os modos de produção do cuidado na atenção primária à saúde

Abstract

O Sistema Único de Saúde, como principal política social do Estado Brasileiro, consolida a saúde como direito de todas as pessoas, sem qualquer distinção excludente, e tem como um dos princípios organizativos a universalidade do acesso. O acesso é entendido como a capacidade multidimensional dos serviços e sistemas de saúde de dar uma resposta resolutiva às necessidades de saúde apresentadas pelos usuários,configurando-se como um dos pré-requisitos essenciais e parte constituinte de/para construção da atenção à saúde com qualidade. Neste estudo analisou-se as diretrizes que ancoram e organizam o processo de trabalho das equipes de Atenção Primária à Saúde, no sentido de garantir a universalidade de acesso aos serviços de saúde como componente central na efetivação do SUS como política social, a partir dos referenciais teóricos da Bioética Cotidiana e da Ergologia. A tese defendida é que as Políticas Públicas para APS, apesar de elaboradas a partir do ideário e dos valores oriundos da Reforma Sanitária e presentes tanto na Constituição de 88, quando nas leis que regulamentam o SUS, carregam em si interesses que por vezes se aproximam e por vezes se afastam da garantia da consolidação do princípio da universalidade do acesso, sendo influenciadas e influenciando os modos de produção do cuidado dos trabalhadores de saúde de maneiras distintas historicamente. Utilizou-se metodologia qualitativa e aproximações da realidade estudada em diálogocom os referenciais teóricos de escolha. As aproximações se deram a partir de estudo empírico com Equipes de Saúde da Família das regiões centro-oeste e sul do Brasil e por meio de pesquisa documental de documentos do Departamento de Atenção Básica e da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, vinculados ao financiamento da gestão federal e publicadas no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2017. Os resultados demonstraram a existência de elementos do trabalho das equipes de saúde que influenciam a capacidade do serviço em assegurar o acesso, como a formação, a experiência e o domínio das normas; a satisfação no trabalho; a gestão e organização do processo de trabalho; o trabalho coletivo e a integração/interação com a comunidade, bem como a presença, nos documentos institucionais analisados, de ações relacionadas a cada um dos elementos identificados. Algumas dessas ações demonstram avanços para garantia da universalidade do acesso, como as propostas para formação e qualificação profissional na graduação e pós-graduação, o incentivo ao desenvolvimento do acolhimento à demanda espontânea, o estabelecimento de processos de avaliação para melhoria do acesso e da qualidade e a ampliação do escopo de ações das UBS; outras orientam o trabalho das equipes de saúde para o modelo de cobertura universal de saúde quando, por exemplo, incentivam a implantação de equipes de Atenção Básica com redução da composição multiprofissional das equipes, flexibilização da carga horária dos trabalhadores, do horário de funcionamento das unidades e do número máximo de pessoas adscritas.

Abstract : The Unified Health System, as the main social policy of the Brazilian State, consolidates health as the right of all people, without any exclusionary distinction, and has as one of the organizational rinciples the universality of access. Access is understood as the multidimensional capacity of health services and systems to give a resolutive response to the health needs presented by users, becoming one of the essential prerequisites and a constituent part of the construction of health care with quality. This study aimed to analyze the guidelines that anchor and organize the work process of Primary Health Care teams, in order to guarantee universality of access to health services as a central componente in the implementation of SUS as social policy, based on the theoretical references of Bioethics in Everyday s Life and Ergology. The thesis defended is that the Public Policies for PHC, although elaborated fromthe ideals and values derived from the Sanitary Reform and present in both the Constitution of 1988, and in the laws that regulate the SUS, carry in themselves interests that sometimes approach and sometimes depart from the guarantee of the consolidation of the principle of universality of access, being influenced and influencing the modes of production of care of health workers in different ways historically. We used a qualitative methodology and approximations of the reality studied in dialogue with the theoretical frame of choice. The approaches were based on na empirical study with Family Health Teams of the central-western and southern regions of Brazil and through documentary research using laws, ordinances, reports, manuals and technical publications, of the Department of Basic Attention and the Secretariat of Management of Work and Education in Health of the Ministry of Health, linked to the financing of federal management and published in the period from January 2011 to December 2017, whose contents presented guidelines for the health practices of Primary Health Care teams. The results demonstrated the existence of elements of the work of health teams that influence the service's ability to ensure access, such as training, experience and knowledge of standards; job satisfaction; the management and organization of the work process; the collective work and the integration / interaction with the community, as well as the presence in the institutional documents analyzed of actions related to each one of the elements identified. Some of these actions demonstrate advances in ensuring the universality of access, such as proposals for training and professional qualification in undergraduate and postgraduate courses, encouraging the development of the host to spontaneous demand, establishing evaluation processes for improving access and quality and the expansion of the scope health actions of the Basic Health Units, others guide the work of health teams towards the model of universal health coverage when, for example, they encourage the implementation of Primary Care teams with reduction of the multiprofessional composition of the teams, flexibilization of the hours of the professionals, the hours of operation of the units and the maximum number of persons assigned.