Tesis
“A pandemia não parou só o mundo, ela parou a vida da minha filha” : etnografando as consequências da pandemia de Covid-19 no cotidiano de famílias atravessadas pelo Vírus Zika em Pernambuco
Fecha
2022-07-14Registro en:
GARCIA, Júlia Vilela. “A pandemia não parou só o mundo, ela parou a vida da minha filha”: etnografando as consequências da pandemia de Covid-19 no cotidiano de famílias atravessadas pelo Vírus Zika em Pernambuco. 2022. 143 f., il. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) — Universidade de Brasília, Brasília, 2022.
Autor
Garcia, Júlia Vilela
Institución
Resumen
Entre os anos de 2015 e 2016, o Brasil foi atravessado pela epidemia do Vírus Zika, cujo legado
foi o nascimento de milhares de crianças com múltiplas deficiências e malformações fetais,
quadro denominado, posteriormente, de Síndrome Congênita do Vírus Zika. As crianças
acometidas pela Síndrome – em sua maioria residentes no estado de Pernambuco –, precisam
de atendimentos terapêuticos e cuidados em tempo integral para se desenvolverem
adequadamente e amenizar as graves consequências provocadas pelo Zika. Em prol do bemestar desses meninos e dessas meninas, as mães – que assumiram a figura de principal, quando
não a de única cuidadora das crianças – abdicaram de si mesmas e passaram a viver suas vidas
em torno de seus filhos e suas filhas, evidenciando o grande potencial de transformação do
Vírus Zika nas rotinas das famílias. Incurável e imprevisível, a Síndrome Congênita do Vírus
Zika fez com que a epidemia, embora arrefecida na mídia e no país, se tornasse uma emergência
cotidiana e permanente para as mulheres e as crianças afetadas. Cinco anos depois, as mesmas
famílias que sofreram as consequências do Zika, voltaram ao epicentro do risco com o advento
de um novo vírus pandêmico, o Covid-19, uma grave doença respiratória que chegou ao Brasil
no início de 2020. Diante de mais uma crise sanitária, as famílias, a fim de se protegerem do
contágio viral, foram orientadas a ficar em casa e enfrentar a suspensão do atendimento
terapêutico de suas crianças nas instituições de saúde. Junto a isso, o desemprego, a fome, a
piora no quadro de saúde desses meninos e dessas meninas e a sobrecarga do trabalho doméstico
sobre a figura materna se fizeram presentes como consequências da atual pandemia. A partir da
etnografia digital, tendo em vista a necessidade de se cumprir o distanciamento social para a
contenção do Covid-19, acompanhei, ao longo de um ano, nove famílias de Pernambuco que
foram atravessadas pela epidemia de Zika e, agora, pela pandemia de Covid-19, etnografando
seus relatos, angústias e demandas frente ao novo cenário estabelecido em suas vidas. É com
base nas histórias das interlocutoras, cujas narrativas de sofrimento são bastante particulares,
que pretendo analisar e refletir sobre as possíveis consequências e transformações operadas pelo
encontro desses dois eventos epidêmicos – Zika e Covid-19 – em um mesmo e único segmento
da população. Argumento que, embora essas famílias se esforcem para evitar o contato com o
novo coronavírus, fica evidente como a atual pandemia, a partir das lacunas deixadas pela
carência de políticas públicas e atenção do Estado, invade os mais diferentes contextos e se
emaranha nas rotinas de mães e crianças com a SCVZ, as quais se tornam duplamente afetadas.