dc.description.abstract | O intuito deste trabalho é analisar diversas facetas do assédio sexual contra mulheres no trabalho. Trata-se de um fenômeno que, embora assentado em uma violência física de ordem sexual, na verdade, traz aspectos relacionados à história do lugar, ao simbolismo patriarcal, ao contexto da organização, à relação entre os indivíduos, ao silenciamento das estruturas organizacionais quanto ao sexismo. A partir dessa realidade, delineio proposta de estudo teórico-empírico com o objetivo de compreender os significados sociais do assédio sexual no trabalho e, de forma específica, conhecer e avaliar as suas dinâmicas e facetas, desvelar as estruturas sociais que permitem a ocorrência de assédio sexual no trabalho e analisar o que o fenômeno pode revelar sobre a condição da mulher na sociedade e nas organizações, o que realizo mediante o resgate de histórias de vida de duas trabalhadoras bancárias assediadas sexualmente no trabalho (Rebeca e Helena). Trata-se de temática de relevância social, acadêmica e organizacional, considerando que a violência contra a mulher, incluindo agressões sexuais, em países latino-americanos, é drama social relevante, uma verdadeira epidemia relacionada ao pouco caso e à permissividade cultural reinante nos trópicos desde a chegada dos ibéricos, que relega a mulher à condição subalterna, de tal forma que é razoável considerar que o machismo está entranhado em nossa cultura e organizações. Sabe-se que as violências sexuais, embora de ordem polimórfica, comumente são analisadas a partir de um enfoque que as associam ao sexismo e ao racismo, ao continuum de violência e discriminação contra as mulheres, à manifestação de violência e opressão do poder masculino sobre o feminino. Dessa forma, a abordagem de gênero – uma espécie de “generofobia” –, tomada sob o prisma do movimento feminista, tem sido a tônica nos debates sobre o assédio sexual. Na cultura brasileira, assédio sexual é interpretado como uma tentativa frustrada de sedução, e não como uma violência. A sociedade culturalmente machista é vista como um dos fatores que corroboram a visão mais leniente dos brasileiros sobre o problema. Assumo que esse padrão cultural se expressa, por conseguinte, na lógica racista e misógina de que toda mulher é “vadia”, toda mulher é simbolicamente “preta” e, como tal, deve estar disponível – inclusive, sexualmente – pelo simples fato de ser mulher. Há uma tentativa inicial de sedução, do que se segue a etapa de cooptação (promessas) e, por fim, a fase das ameaças (punições). Trata-se de uma dinâmica de agressão, em que o assediador estuda o alvo e passa a explorar os seus pontos fracos. O ponto de vulnerabilidade das vítimas é a dependência do emprego, seja enquanto condição de sustento e independência, seja enquanto símbolo de uma vida melhor e meio de afirmação social. Em decorrência do abandono, a vítima tende ao silêncio. O silêncio não é fraqueza, falta de ação ou iniciativa. Silêncio é medo do agressor, silêncio é retaliação da empresa, silêncio é solidão pelo abandono dos colegas. As relações sociais nas organizações são pautadas nos critérios do interesse e da convivência estratégica, do que se tolera o sofrimento do outro com cinismo e desfaçatez, “conquanto não seja eu o prejudicado”. No meio do caminho, os adoecimentos físico e mental se fazem regra. O assédio sexual é símbolo da indigência moral e da perversidade de um mundo do trabalho que é hostil às mulheres. Essa máxima se materializa em rebaixamento, isolamento, abandono, desemparo, solidão das vítimas. Apesar de tudo e de todos, Rebeca e Helena mostram que é possível romper o silêncio. A lição mais importante de suas histórias é que o assediador não é todo-poderoso. Helena ensina que uma denúncia às instâncias em defesa de direitos das mulheres possivelmente vai obstá-lo. Não pode haver espaço para que o assediador se crie, se engrandeça nas intenções. É mais do que dizer “não”, é confrontá-lo com a própria vergonha da indignidade de caráter. “Você está me assediando?”. Como diria Rebeca, em suma, é a pergunta que liberta. Afinal, o assediador não resiste ao próprio mal. | |
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