Tesis
Eficácia coletiva e vitimização : singularidades de controle social no Distrito Federal
Fecha
2022-04-12Registro en:
MATTOS, Márcio Júlio da Silva. Eficácia coletiva e vitimização: singularidades de controle social no Distrito Federal. 2019. 348 f., il. Tese (Doutorado em Sociologia)—Universidade de Brasília, Brasília, 2019.
Autor
Mattos, Márcio Julio da Silva
Institución
Resumen
A incidência criminal é uma das questões mais prementes da sociedade brasileira. A trajetória crescente das violências letais no país alcançou seu maior nível histórico em 2017. Foram mais de 65 mil homicídios, o que equivale à uma taxa de 31,6 mortes para cada cem mil habitantes (CERQUEIRA et al., 2019). Entre 2007 e 2017, foram mais de 618 mil homicídios acumulados. Apenas 34 cidades possuem população atual superior ao número de homicídios registrados no país nesse período. Trata-se de um problema complexo e multicausal que exige diferentes abordagens em busca de diagnósticos e propostas de intervenção.
Esta tese oferece uma perspectiva inovadora para o debate criminológico no contexto brasileiro. Trata-se de uma análise socio-criminológica sobre a incidência criminal nas vizinhanças do Distrito Federal a partir de suas configurações sociais. Discuto como configurações sociais em nível vicinal, como a eficácia coletiva e o cinismo legal, impactam a incidência de crimes contra o patrimônio e contra a pessoa no Distrito Federal, tendo as vizinhanças como unidade analítica. Na esteira da tradição de pesquisas da Escola de Chicago, utilizo a perspectiva ecológica para evidenciar como as interações locais entre moradores em vizinhanças da capital interferem nas chances de vitimização nos territórios. Como pano de fundo, discuto a importância das vizinhanças na compreensão do social.
A Teoria da Eficácia Coletiva é a principal referência teórica contemporânea deste campo de estudos. Sua abordagem central analisa processos e mecanismos sociais em nível vicinal como fatores explicativos para resultados sociais como o controle do crime. A utilização do modelo teórico da eficácia coletiva no contexto brasileiro apesar de incipiente tem sido marcada pela caracterização de limitações à sua generalização, o que se convencionou denominar como o paradoxo brasileiro da eficácia coletiva. Ou seja, vizinhanças com densos e frequentes laços sociais entre os moradores são marcadas por limitada capacidade de controle social informal e, por conseguinte, concentram mais crimes. A reformulação desse paradoxo é outro objetivo desta tese.
Foram utilizadas diferentes fontes de dados no desenvolvimento dos objetivos específicos desta pesquisa. Inicialmente, analisei os dados da Pesquisa Distrital de Vitimização, realizada em 2018, por meio de técnicas estatísticas de modelagem hierárquica de dados. Ao todo, foram analisados 4.961 questionários representativas de 77 vizinhanças do DF. Além disso, utilizei dados oficiais das áreas de saúde, educação, segurança pública e, ainda, dados populacionais e demográficos do DF. Ademais, realizei trabalho de campo na Estrutural entre 2016 e 2019, por meio de entrevistas e grupos focais com moradores, professores de escolas públicas, mães de alunos das escolas locais, policiais militares, líderes comunitários e conselheiros tutelares.
Os resultados evidenciaram que a eficácia coletiva, medida a partir das variáveis coesão social e controle social informal, explica parcialmente a incidência de crimes no DF. No caso dos crimes contra a pessoa, a coesão social e o controle social informal apresentaram resultados significativos, mas em direções opostas. Logo, as variáveis captaram fenômenos distintos da realidade social no contexto brasileiro. Uma das alternativas explicativas foi o cinismo legal. Essa variável demonstrou a melhor capacidade de predição tanto para os crimes contra o patrimônio como para os crimes contra a pessoa no DF. Isso indica que a percepção de disponibilidade e de acesso à lei e aos seus agentes foi um fator central na compreensão da incidência criminal no contexto local, sendo associado a mais crimes em todos os contextos analisados. Além disso, foram discutidos os efeitos de variáveis relacionadas às desvantagens concentradas, instabilidade residencial, desordens sociais, incivilidades, comércio informal, presença de gangues e presença de policiamento.
Por fim, foram analisadas características da organização social de uma vizinhança empobrecida do Distrito Federal, a Estrutural, como forma de avançar na compreensão das limitações da teoria da eficácia coletiva como fator de proteção social no contexto brasileiro.
Dentre os resultados, três tipos de configurações sociais foram evidenciados. Em primeiro lugar, o controle social realizado por meio de estratégias articuladas em nível paroquial se revelou central, extrapolando a dimensão pública em termos materiais e simbólicos. A supervisão de crianças e adolescentes desempenhou papel central na lógica paroquial de produção do controle em nível local. Além disso, o controle social em nível público pareceu repercutir uma limitada capacidade de mobilização de recursos externos à vizinhança. Ou seja, a marginalização política foi um aspecto essencial na compreensão da produção de controle no contexto local. E, por fim, a presença de gangues foi evidenciada como um entrave adicional para o engajamento na proteção social por meio da mobilização comunitária. Ao final desta tese, apresento sugestões sobre as direções futuras para pesquisas sobre comunidades e crime no contexto brasileiro, a partir da discussão das limitações encontradas na realização da pesquisa. Além disso, analiso possíveis implicações práticas para intervenções de políticas públicas dirigidas ao controle do crime no Brasil.