Tesis
Realidades míticas e doenças históricas : experiências de adoecimento, cura e morte nas narrativas de indígenas Fulni-ô no Brasil e P’urhépecha no México
Fecha
2022-04-04Registro en:
SOUZA, Liliane Cunha. Realidades míticas e doenças históricas: Experiências de adoecimento, cura e morte nas narrativas de indígenas Fulni-ô no Brasil e P’urhépecha no México. 2021. 232 f., il. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) — Universidade de Brasília, Brasília, 2021.
Autor
Souza, Liliane Cunha
Institución
Resumen
A presente pesquisa visa identificar, compreender e comparar experiências de
adoecimentos, curas e mortes que se tornaram memoráveis nas narrativas de indígenas
Fulni-ô e P'urhépecha – habitantes, respectivamente, do estado de Pernambuco, no Brasil
- e do estado mexicano de Michoacán. Ela busca realizar uma análise comparada para
compreender como esses povosrememoram e quais as estruturas de significação (Sahlins,
2008) estão operando nas suas respectivas memórias e histórias de adoecimentos, a partir
do estudo dos aprendizados constituídos que visam prevenir e promover o bem-estar de
suas comunidades, no decorrer das suas micro-histórias. Esse esforço parte da articulação
das concepções de saúde e doença, das descrições de itinerários terapêuticos, das
memórias e narrativas de adoecimentos no âmbito dos sistemas sociomédicos desses
povos com processos, eventos, conjunturas e estruturas históricas de longa duração e
contextos sócio-culturais e econômicos mais amplos. No que se refere a saúde, a pesquisa
se ancora em conceitos da antropologia médica e da saúde como o de sistema de cuidados
de saúde (Kleinman, 1980), das práticas de auto-atenção (Menéndez, 2003) e da medicina
tradicional (Ruiz, 2017). Lanço mão do uso de uma metodologia multidisciplinar e
comparada, caracterizada pelo uso de diversas fontes de pesquisa - dentre elas orais,
coletadas no trabalho de campo, seguindo uma orientação etnográfica e documental,
mediante leitura de documentos históricos e obras historiográficas acerca desses povos -
a fim de levantar informações sobre os processos de saúde-doença vividos por eles. Os
interlocutores Fulni-ô apresentaram, a partir das narrativas de três situações de
adoecimentos - a cólera, a gripe espanhola e a Covid-19 - sua “memória de longa duração
dos adoecimentos", expressa na sua estrutura ritual miticamente orientada, o que
ressignifica o aparecimento dos adoecimentos, ligando-os ao risco de desequilíbrio das
forças e de poderes na sua organização clânica. O conflito, que esse povo vive atualmente
no âmbito do seu ritual, é a versão do tema de pesquisa, isto é, das narrativas de
adoecimentos trazidas por alguns interlocutores, pois tais doenças foram lembradas por
associação à desobediência ritual, à desigualdade de poderes dos clãs, bem como ao fato
de indivíduos agirem em detrimento do coletivo, o que sugere o adoecimento e morte na
comunidade. Os Fulni-ô estão mais voltados para seu mito e rito, e o ato de rememorar
suas experiências de adoecimentos os conectam a dimensões míticas de sua cultura. Entre
os P’urhépecha foram valorizadas as narrativas sobre os adoecimentos apresentadas por
um médico tradicional, Tata Toral. Ele fez alusão ao mito de origem que foi a erupção do
vulcão Parikutin, ocorrida em 1943. Com a mudança da comunidade de Parikutin, onde
vivia sua família, na serra, para a comunidade de Caltzontzin, situada no município de
Uruapan, surgiram as doenças que resultaram da tristeza coletiva e da água leve da cidade.
Devido a mudança de lugar de residência, apareceram os adoecimentos, as mudanças no
uso da terra, a degradação da natureza, o convívio intenso com os mestiços, a
desvalorização do uso da língua, da “cosmologia” e dos “usos e costumes”. Tata Toral
relembra as doenças a partir de uma articulação híbrida entre elementos míticos da
cosmologia P’urhépecha e elementos contemporâneos, a exemplo dos meios de
comunicação, ligados às dinâmicas das sociedades urbanas, complexas e globalizadas.