Tese
The fabric of the ordinary: the Council of Trent and the governance of the Catholic Church in the Empire of Brazil (1840-1889)
Fecha
2021-07-08Autor
Anna Clara Lehmann Martins
Institución
Resumen
A historiografia do século XIX sobre as relações entre Estado e Igreja tende a concentrar-se sobre o conflito político, ou seja, sobre as “guerras culturais” entre católicos e liberais a respeito do lugar da religião na esfera pública. O Império do Brasil, que adotou o regime de padroado real e agiu de acordo com padrões liberais-jurisdicionalistas, teve sua parcela de “guerras culturais” durante o reinado de D. Pedro II (1840-1889). A historiografia do Segundo Império tende a enfatizar a polarização entre jurisdicionalistas (burocratas do Estado, e. g.) e ultramontanos (bispos, e. g.), em particular devido à Questão Religiosa dos anos 1870. Entre os lugares comuns dessa literatura, está a ideia de que o Concílio de Trento era um conjunto normativo exclusivamente interpretado e implementado pelo clero e por ultramontanos. Minha proposta é analisar os usos do Tridentino primariamente a partir da perspectiva de governança da Igreja e da multinormatividade, objetivando, assim, discernir elementos do mundo jurídico-administrativo com os quais reinterpretar a tensão política entre ultramontanos e jurisdicionalistas. Examino as interações entre os três níveis de jurisdição – local (bispos, vigários capitulares etc.), nacional (Estado brasileiro) e global (Santa Sé) – relativos a assuntos disciplinares de natureza mista. Concentro-me sobre os papeis assumidos pelas disposições tridentinas, bem como sobre os quadros interpretativos (convenções normativas) empregados pelos atores envolvidos. Minhas fontes são casos da Congregação do Concílio, da Santa Sé, e do Conselho de Estado brasileiro, ambos órgãos que receberam demandas administrativas locais associadas a assuntos de natureza mista. Concluo que a tensão entre ultramontanos e jurisdicionalistas formava parte do sistema de governança – mas o fazia como um elemento precário, um gatilho que frequentemente ativava entre os atores mecanismos de controle de novidades normativas, e a recordação de objetivos comuns e necessidades concretas, mesmo em momentos de crise. Além disso, meus resultados apontam para a variedade de posições jurídicas que podiam ser adotadas por atores da Igreja e do Estado – e, em particular, por agentes considerados “ultramontanos” ou “jurisdicionalistas”, um aspecto que encoraja uma reavaliação desses rótulos, a fim de abranger essa heterogeneidade de perspectivas jurídicas. Finalmente, o Concílio de Trento se revela como um ponto eficiente de observação do sistema de governança em relação a questões mistas, pois permeia discursos nos três níveis e assume papeis variados (arma, modelo para outras leis, apoio retórico, tradição, recurso flexível etc.), tanto em ocasiões de conflito quanto de cooperação.