dc.description | Brasil, Arapongas, l938, um antropólogo francês em visita ao país não se contém diante do dinamismo das imagens do tempo que presidia o nascimento da cidade nos Trópicos e afirma que ali habita um povo cujo trajeto da barbárie à decadência jamais havia conhecido a força da civilização. Isso foi dito em Tristes Trópicos (1955), onde Lévi Strauss colore um país bucólico e nostálgico na descrição de suas reminiscências. Construindo um gênero estilístico marcado pelo seu espanto frente ao deslocamento do eu (Europa) para o outro (Brasil), narra um país nativo ameaçado pela “fricção interétnica”2 e pelas conseqüências da modernidade nas cidades brasileiras que ele qualifica como tristes porque degradadas na flecha do tempo. À mercê dos mitos da ruína e do fracasso e sob a pressão de fábulas progressistas, as cidades industriais da América tropical dos anos 30 alimentar-se-iam vorazmente do novo, sem nenhum compromisso com o seu passado histórico. O passado do lugar (le pays, das land) e toda a duração de processos sociais diversos eram reduzidos à idade do mundo colonizador e ao modelo evolutivo de longo prazo (longue durée) constitutivo da experiência e do pensamento europeu, repousando o Brasil na imagem de um tempo agitado, vertiginoso. Sob a égide da sua experiência temporal, o olhar estrangeiro de Lévi Strauss revisita as suas próprias lembranças vividas na Velha Europa (adulta) e nos mundos colonizados (infantilizados) à medida que adentra as diferentes regiões do Brasil, do litoral ao sertão. Desfiando o mito europeu do Progresso, a sociedade brasileira se apresenta ao antropólogo francês sob a ótica de um ciclo temporal agitado, discordando da cadência contínua da lógica centrada na experiência européia pela qual se orienta o autor dos Tristes Trópicos. Aprisionado ao antagonismo de uma concepção de tempo vertiginoso que tudo devora e de um tempo lento que tudo reconcilia, o pensamento eurocêntrico de Lévi Strauss limita a possibilidade interpretativa da experiência temporal das cidades brasileiras. Nesse sentido, ao analisar as cidades brasileiras, o autor constata que, nelas, o engajamento humano é precário, os citadinos são desprendidos e a estética urbana é regida pela desordem. Elementos estruturantes de deformações à ordem processual idealizada na memória “do” social no Velho Mundo. O país perde-se na informidade temporal, sem poder contribuir na mesma eficácia de significados às interpretações das estruturas simbólicas do desenvolvimento do patrimônio humano universal. Nas trilhas de um tempo curto e seguindo-se o ritmo da história unilateral e triunfante da Modernidade, muito se tem afirmado a respeito do aspecto indigente, mutante e mutável da vida social nos Trópicos tanto quanto tem sido comentado a propósito da imagem da destruição que encerra o processo de instalação do fenômeno urbano brasileiro. Daí insistir-se aqui em interpretar a poética da instabilidade no Brasil e, em reconhecer a construção de significado político (política da forma e do gênero discursivo e interpretativo da historiografia e da etnografia) no qual repousam as representações que oferecem explicações sobre a trajetória brasileira como desvio (ou contramão) de uma estética baseada na ordem e na harmonia do projeto civilizatório. | pt-BR |