dc.description | A etnoecologia emerge em um contexto de discussões e debates sobre a conservação da
diversidade biológica e cultural, manejo dos recursos naturais e políticas públicas, equidade e
partição de benefícios, desenvolvimento e planejamento urbano e rural. A abordagem
etnoecológica de pesquisa se mostra como um caminho metodológico viável que possibilita a
interconexão entre saberes científicos e os “não formais”, como forma de conhecimento das
práticas de manejo de atividades produtivas quando são realizadas por populações
consideradas tradicionais. A Cidade do Recife teve sua urbe erguida sobre uma planície
flúvio-marinha estuarina composta por extensos manguezais e ocupada por populações
tradicionais de pescadores que desenvolviam a pesca artesanal e aquicultura. O Parque dos
Manguezais e Ilha de Deus (PMID) estão localizados em área estuarina da zona sul do Recife,
onde há registros do cultivo de peixe desde o século XIX. O cultivo de camarão no PMID
iniciou-se em meados dos anos 80, apresentando aumento substancial de área cultivável e de
pescadores inseridos na atividade, na primeira década do século XXI, em razão da
“desagregação” da pesca artesanal local e da mudança do perfil do consumo de camarão em
nível nacional. A carcinicultura no PMID tem gerado uma série de conflitos potenciais entre
pescadores, Poder público nas suas diversas esferas e ambientalistas que são contrários à
permanência da carcinicultura no PMID, o que implicou na criação/regulamentação do Parque
Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro (PNMMJC), já prevendo em seu projeto a
eliminação de suas áreas de carcinicultura. Com esta pesquisa objetivou-se identificar
aspectos etnoecológicos da carcinicultura no PMID, compreendendo o seu contexto histórico,
suas condições de manejo e produção, a relação que os pescadores mantêm com o ambiente
local e suas condições socioeconômicas, assim como identificar conflitos socioambientais
derivados da carcinicultura. Dentro do enfoque etnoecológico, mesclou-se as abordagens
quantitativa, qualitativa e participativa de pesquisa, com diversos procedimentos
metodológicos que envolveram reuniões, entrevistas semiestruturadas, oficina, aplicação de
formulários, construção de mapas comunitários, entre outros. Esta pesquisa, de um modo
geral, evidenciou que a carcinicultura no PMID parte de um contexto histórico que precede a
piscicultura tradicional na cidade, sendo pescadores os sujeitos que a animam e que albergam
um vasto corpo cognitivo e uma práxis típica de comunidades tradicionais. A carcinicultura
no PMID movimenta considerável cadeia produtiva, apresentando forte impacto na economia
local e na absorção de mão de obra. A substituição ou eliminação da carcinicultura e demais
atividades pesqueiras no PMID implicará no aumento da pauperização de comunidades do
entorno e perda de suas tecnologias patrimoniais adquiridas por meio do metabolismo
orgânico ao longo de suas vivências nesse manguezal. Essas questões somente reforçam a
necessidade de uma gestão democrática do ambiente, que combine autogestão e gestão estatal
dos recursos, visando à aplicação de preceitos do desenvolvimento sustentável (endógeno) às
estratégias políticas, considerando o potencial ecológico local do PMID, integração do
conhecimento formal e o etnoconhecimento, conjugando inovações tecnológicas mais
eficientes e menos poluentes. Por outro lado, a imposição do PNMMJC se mostrou incoerente
com a realidade socioambiental local. | |