Dissertação
O regime político da sexualidade: a saúde sexual como dispositivo colonial/moderno nas políticas públicas
Author
Morais, Ana Luiza
Institutions
Abstract
Sexual rights are an important agenda for public health policies in Brazil, although they
are repeatedly violated. In order to investigate this phenomenon, and understanding the intrinsic
connection between sexual rights and sexual health, this research aimed to analyze how sexual
health acts as a device in the articulation between sexuality, health and rights in
modernity/coloniality, from the theoretical and epistemological perspective of poststructuralism and decolonial feminism, in the context of studies of psychosocial processes in
health. Based on the anthropology of domination, and employing bricolage as a methodological
strategy in qualitative research, the object of this study consists of the statements about sexual
health in public health policies; in the conceptions of primary care professionals; in groups on
Sexual and Reproductive Rights held in three basic health units; and in an episode of the
program Elas Pautam, from TV Senado, analyzed from the analytical instruments of
intersectionality and discourse analysis. This research discusses the constitution of the sexual
regime as a politics of coloniality, acting on the scope of public health, and sustained by the
crystallization of hierarchical categories defined by sex under the aegis of cisgenerality,
heterosexuality and monogamy as normative. Contraception, in its ambiguities, figures as a link
between sexual rights and reproductive rights, acting in the administration of colonial/modern
family planning as a neocolonial strategy. In this scope, sexual and reproductive rights, defined
as a monolithic construct, garner the condition of women's citizenship, thus performing the
function of essentializing women as universalized subjects. From the meanings that emerge
from the enunciates of sexual health in the text of the public policies Sexual Rights and
Reproductive Rights: a government priority and Basic Health Notebooks: Sexual Health and
Reproductive Health, it is inferred the hegemonic articulation of the idea of good sex,
administered within the scope of governmentality and interpersonal domination by sexual
health as a colonial/modern device. Regarding the statements of sexual health expressed by
primary care professionals, it is discussed that this concept assumes the meanings of diversity,
well-being, control and prevention, and exercise of rights. The discursive formations around
sexuality and sexual health found converge with the functioning of the political regime of
sexuality and highlight the performance of sexual health as a device in public policies. In order
to break the monolithic construct of sexual and reproductive rights, anchored in the notion of
reproductive justice and sexual justice, the triangulation of sexual rights, reproductive rights
and non-reproductive rights is proposed in order to promote the visibility of demands that
advocate the untying of this field from the colonial rhetoric of family planning. Finally, it is
pointed out that health, in a manner similar to sexuality, figures in the position of a field of
political dispute, so that it allows, in the most capillary tentacles of the political regime of
sexuality, practices of dissidence, political destabilization and resistance. Os direitos sexuais consistem em relevante pauta para as políticas públicas em saúde no
Brasil, embora encontrem-se reiteradamente violados. Com vistas a investigar esse fenômeno,
e compreendendo a concatenação intrínseca entre os direitos sexuais e a saúde sexual, a presente
pesquisa objetivou analisar como a saúde sexual atua como dispositivo na articulação entre
sexualidade, saúde e direitos na modernidade/colonialidade, a partir da perspectiva teórica e
epistemológica do pós-estruturalismo e do feminismo decolonial, no âmbito dos estudos dos
processos psicossociais em saúde. Partindo da antropologia da dominação, e empregando a
bricolagem como estratégia metodológica em pesquisa qualitativa, o objeto desse estudo
consiste nos enunciados sobre saúde sexual nas políticas públicas de saúde; nas concepções de
profissionais da atenção básica; nos grupos de Direitos Sexuais e Reprodutivos realizados em
três unidades básicas de saúde; e em um episódio do programa Elas Pautam, da TV Senado,
analisados a partir instrumentário analítico da interseccionalidade e da análise do discurso.
Nessa pesquisa discute-se a constituição do regime sexual como política da colonialidade,
atuante sobre o escopo da saúde pública, e que se sustenta pela cristalização de categorias
hierárquicas definidas pelo sexo sob a égide da cisgeneridade, da heterossexualidade e da
monogamia enquanto normativas. A anticoncepção, em suas ambiguidades, figura como um
elo entre os direitos sexuais e os direitos reprodutivos, atuando na administração do
planejamento familiar colonial/moderno como estratégia neocolonial. Nesse escopo, os direitos
sexuais e reprodutivos, definidos como um constructo monolítico, angariam a condição de
cidadanização das mulheres, desempenhando, por conseguinte, a função de essencialização da
mulher enquanto sujeito universalizado. A partir dos sentidos que emergem dos enunciados de
saúde sexual do texto das políticas públicas Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos: uma
prioridade do governo e Cadernos de Atenção Básica: Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva,
depreende-se a articulação hegemônica da ideia de bom sexo, administrada no âmbito da
governamentalidade e do domínio interpessoal pela saúde sexual enquanto um dispositivo
colonial/moderno. No que tange aos enunciados de saúde sexual expressos pelas profissionais
da atenção básica, discute-se que esse conceito assume os sentidos de diversidade, bem-estar,
controle e prevenção e exercício de direitos. As formações discursivas em torno da sexualidade
e da saúde sexual encontradas convergem com o funcionamento do regime político da
sexualidade e evidenciam a atuação da saúde sexual como um dispositivo nas políticas públicas.
Para quebrar o constructo monolítico dos direitos sexuais e reprodutivos, ancorando na noção
de justiça reprodutiva e de justiça sexual, é proposta a triangulação dos direitos sexuais, dos
direitos reprodutivos e dos direitos não reprodutivos, a fim de promover a visibilização de
demandas que preconizam a desvinculação desse campo à retórica colonial do planejamento
familiar. Por fim, aponta-se que a saúde, de maneira semelhante à sexualidade, figura na posição
de um campo de disputa política, de modo que permite, nos tentáculos mais capilarizados do
regime político da sexualidade, práticas de dissidência, desestabilização política e resistência. CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior