Trajetórias, habitus e práticas: um estudo sobre as clínicas públicas de psicanálise em São Paulo

Abstract

Este trabalho objetiva analisar a trajetória social e intelectual de psicanalistas que oferecem atendimento gratuito em espaços públicos. Toma-se como objeto, especificamente, o coletivo Psicanálise na Praça Roosevelt e a Oficina Clínica de Psicanálise, ambos atuantes na cidade de São Paulo. Investigou-se as propriedades sociais, econômicas e culturais dos agentes que atuam nesses grupos – o capital familiar herdado, a formação escolar e superior, suas práticas culturais e estilo de vida – a fim de analisar em que medida tais propriedades e práticas influenciam na escolha da psicanálise como área de profissionalização e, em seguida, nas disposições e estratégias de atuação no campo da psicanálise. Apesar de aproximarem-se por compartilharem uma mesma tomada de posição no campo da psicanálise, a favor da democratização do acesso às práticas terapêuticas de linha analítica, é possível perceber um distanciamento de perfil social entre os grupos, sendo a Oficina Clínica composta por psicanalistas com uma formação acadêmica e psicanalítica menos prestigiada e sem uma carreira consolidada quando comparados aos membros da Psicanálise na Praça Roosevelt, dominantes do ponto de vista social e intelectual. Tais diferenças ajudam a compreender a tomada de posição por uma prática heterodoxa que questiona os pressupostos do atendimento psicanalítico legítimo, ainda que a partir de sentidos distintos: enquanto os psicanalistas da Oficina Clínica de Psicanálise angariam experiência e tem no projeto uma “porta de entrada” para o campo, os psicanalistas da Psicanálise na Praça Roosevelt partem da sua formação especializada para uma ação política.

This work aims to analyze the social and intellectual trajectory of psychoanalysts who offer free service in public spaces. It is taken as object, specifically, the collective Psicanálise na Praça Roosevelt and the Oficina Clínica de Psicanálise, both active in the city of São Paulo. We investigated the social, economic and cultural properties of the agents who work in these groups - inherited family capital, school and higher education, their cultural practices and lifestyle - in order to analyze to what extent such properties and practices influence the choice of psychoanalysis as an area of professionalization and, then, the dispositions and strategies of action in the field of psychoanalysis. Although they are close to each other because they share a common position in the field of psychoanalysis, in favor of the democratization of access to analytical line therapeutic practices, it is possible to perceive a distance of social profile between groups, being the Oficina Clínica composed of psychoanalysts with an academic and psychoanalytic training less prestigious and without a consolidated career when compared to the members of Psicanálise na Praça Roosevelt, dominant from the social and intellectual point of view. Such differences help to understand the position taken by a heterodox practice that questions the assumptions of legitimate psychoanalytic care, although from different senses: while the psychoanalysts of the Oficina Clínica de Psicanálise gather experience and have in the project a "gateway" to the field, the psychoanalysts of Psicanálise na Praça Roosevelt depart from their specialized training for a political action.